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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

ANTES E DEPOIS DA GENTE (Crônica)

ANTES E DEPOIS DA GENTE

Rangel Alves da Costa*


Às vezes fico imaginando como foram as primeiras gerações da minha família, como eram, o que faziam, o que pensavam e como viviam os pais dos pais dos meus pais. Tudo que há hoje ainda guarda os resquícios de um dia, do que foram os outros para o que sou agora.
No mesmo passo não deixo de pensar naqueles que estão ao meu lado e nos que virão depois, como filhos, netos, bisnetos, netos dos meus netos, e assim por diante. E quando pudesse alcançar em pensamento um ponto que dissesse que ali estaria a última gota de sangue do último filho da última geração familiar, diria que a família foi um rio de nascente distante que soube cumprir seu destino nas veias da vida.
Nem imagino como teria sido o bisavô do meu bisavô, mas sei que ainda sinto do muito que ele sentia naquele mundo distante e de vida totalmente diferente. Quando digo que ainda sinto daquilo que ele sentia, o faço na certeza de que as novas águas que se juntam às águas antigas do rio não têm o poder de afastar do curso aquilo que está acostumado a correr. De certa forma somos raízes, e estas não se desprendem facilmente da terra de onde brotam. Por isso que ainda tenho do avô do meu bisavô muito do que ele tinha.
É fácil perceber como não nos desprendemos das nossas raízes familiares, dos nossos ancestrais. Aceitem ou não, mas aquele que for último de uma geração inteira - mesmo que no percurso séculos se perfaçam - ainda assim terá levado consigo qualquer característica familiar, qualquer broto, qualquer semente. Quem viverá daqui a mil anos jamais imaginará que guarda no sangue a mesma tonalidade de sangue que viveu há dois mil anos atrás. Mas o sangue será o mesmo, na pessoa que será diferente dentro de uma mesma família ancestral.
Ora, se alguém diz que o neto parece com o avô e outras pessoas já disseram que este se parece com o pai do seu pai, que é o seu avô, basta isso para perceber que as feições familiares já estão presentes em cinco gerações diferentes: de um lado, um pai que parece com o seu avô, e de outro o mesmo pai que parece com o seu neto. E se o neto desse neto parecer com o avô, essa cadeia de feição familiar não estará aumentando ainda mais? E os netos, bisnetos, tataranetos, de um lado de uma geração e de outra, não vão se parecendo uns com os outros sucessivamente?
Daí a certeza que ainda tenho no meu jeito de ser e nas minhas feições muito do bisavô do meu bisavô; os bisnetos dos meus bisnetos também terão. Talvez goste de escrever porque meu ancestral comum também gostava de rabiscar na madeira nua da umburana; talvez goste de pintar porque o meu antepassado gostava de enfeitar sua choça com uma lasca de madeira marcada das tinturas do mato; talvez goste da solidão porque meu tataravô tinha o silêncio da tarde nas montanhas como seu melhor amigo. Talvez não, tenho certeza, pois alguém no passado já foi assim como sou. E só sou assim porque ele era assim.
Até agora me contentei em tentar provar que o que somos hoje já tínhamos sido num passado distante e seremos ainda no futuro, tendo por base as raízes familiares que nunca deixam de existir completamente em nós, e por isso somos tão parecidos com os nossos primeiros familiares e do mesmo modo seremos com as gerações futuras. Expliquei e talvez você não quisesse acreditar. Mas agora não quero mais deixar dúvidas sobre o nosso ontem e amanhã.
Lembra do sangue que corre nas suas veias? Pois é, mesmo que você ache que não tem nada a ver com o bisavô do seu tataravô, que não se parece nada com você, ainda assim nele um dia escorreu o sangue que hoje escorre nas suas veias e daqui a cem, quinhentos, mil anos, estará escorrendo pelo corpo do seu último parente que existir sobre a terra. É que as feições externas podem desaparecer em instantes, mas o que internamente permite existir a vida correrá eternamente e sempre vindo de uma mesma nascente.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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