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terça-feira, 24 de agosto de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 85

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 85

Rangel Alves da Costa*


A notícia dada pelo amigo Paulinho deixou Lucas completamente perplexo. Não sabia o que fazer, o que perguntar; não queria acreditar. Junto com ele há pouco tempo atrás, conversando, relatando temores e preocupações, fazendo planos para vencer os embates, e agora chega essa medonha notícia. Pensava vagamente, pois parecendo desprendido de si.
- O que você está me dizendo Paulinho? Conte-me essa história direito – Enfim falou, procurando um lugar para sentar.
- É verdade, nosso amigo Padre Josefo foi achado sem vida lá dentro da igreja, na sacristia. Dizem que chamaram muitas vezes e como ele não respondeu abriram a porta que só estava encostada e encontraram ele estendido no chão, todo arroxeado e de olhos abertos. Estava ainda segurando um cálice numa das mãos, parecendo que havia tomado vinho pouco antes de morrer, pois o chão e o seu rosto estavam molhados da bebida. Na mesinha uma bíblia aberta, uma folha e uma vela acesa, como se antes de cair morto Padre Josefo estivesse lendo e fazendo anotações. Ao menos foi isso que disseram. Mas seja como for, verdade é que ele não merecia morrer assim tão cedo, tão bom e amigo da gente como ele era...
- São as coisas da vida amigo Paulinho, são os chamados da vida... – Disse Lucas.
Palavras curtas e simples porque procurava outra forma de se expressar e não conseguia. Ainda continuava como que paralisado pela notícia. Pelo fato da morte não, pois muito compreensível na vida e principalmente quando recai sobre uma pessoa já pelos seus tantos idos. Mas pelo inesperado, pela surpresa, pelo fato de que o velho amigo jamais reclamou de quaisquer sintomas de doenças, a não ser o cansaço físico da idade. Tinha planos, pensava em viver ainda muitos anos, trabalhar ainda muito na sua pregação divina, salvar ainda muitas almas, trazer novamente para sua igreja o rebanho desgarrado. Estes e outros fatos demonstram que algo terrível se abateu sobre o homem para que ele tivesse morte assim tão repentina.
- Você disse, Paulinho, que encontraram o Padre Josefo estirado no chão tendo ao lado um cálice de vinho derramado, foi isso mesmo? – Perguntou Lucas, como quem estivesse procurando saber mais do que havia perguntado.
- Foi isso mesmo que estavam comentando. E disseram mais que ele estava com o corpo todo arroxeado. Falaram também sobre a bíblia aberta na mesa e uma folha de papel onde o Padre Josefo parecia que estava escrevendo antes de tomar o vinho e cair. E se não me engano, disseram que na folha estava escrito sobre o Salmo 3. Você sabe o que diz esse Salmo, Lucas? – Perguntou Paulinho.
Sentado à beira da calçada, olhando para o alto, como que passeando nas nuvens, Lucas respondeu ao amigo:
- É um Salmo de Davi, quando fugia de Absalão, seu filho, e diz assim: Senhor, como são numerosos os meus perseguidores! É uma turba que se dirige contra mim. Uma multidão inteira grita a meu respeito: Não, não há mais salvação para ele em seu Deus! Mas vós sois, Senhor, para mim um escudo; vós sois minha glória, vós me levantais a cabeça. Apenas elevei a voz para o Senhor, ele me responde de sua montanha santa. Eu, que me tinha deitado e adormecido, levanto-me, porque o Senhor me sustenta. Nada temo diante desta multidão de povo, que de todos os lados se dirige contra mim. Levantai-vos, Senhor! Salvai-me, ó meu Deus! Feris no rosto todos os que me perseguem, quebrais os dentes dos pecadores. Sim, Senhor, a salvação vem de vós. Desça a vossa bênção sobre vosso povo. Eis o Salmo, Paulinho, eis o que diz os ensinamentos.
- Mas o que quer realmente dizer tais palavras, de um modo que eu possa compreender o que o Salmo quer significar? – Paulinho despertou um surpreendente interesse.
E ainda de cabeça levantada, como se os pensamentos estivessem muito distantes, Lucas procurou responder segundo o seu entendimento:
- Este Salmo procura ajudar o homem, através do fortalecimento do espírito e da mente, a vencer os obstáculos que estão colocados no seu caminho. Pede ao Senhor e ele responde, e o homem que está sem proteção se arma de encorajamento para enfrentar os inimigos. Os inimigos não são somente os homens, Paulinho, mas tudo que há na terra que procure impedir nossa caminhada, nossas realizações e nossa felicidade...
- E porque o Padre Josefo estava pedindo proteção a Deus, já que ele era uma de suas vozes aqui na terra? – Indagou Paulinho, intrigado.
- Veja bem Paulinho, o Padre Josefo era um sacerdote, mas também era um homem, uma pessoa como todos nós. E o pior é que tinha inimigos. E depois que ele resolveu nos ajudar na nossa obra e a celebrar missa no barracão arranjou muito mais inimigos. Estes inimigos estavam lhe perseguindo, como ele mesmo me falou.
- Então Padre Josefo pode não ter morrido, mas sim assassinado, não é isso mesmo? – Conclui espantosamente o garoto.
Mas Lucas não respondeu. Ainda olhava pra cima. As nuvens pareciam ter jogado água nos seus olhos.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@ hotmail.com
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