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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Quinta viagem)

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Quinta viagem)

Rangel Alves da Costa*



O povoado de Sítios Novos, do mesmo modo que Santa Rosa do Ermírio, nasceu e se desenvolveu através das lutas de migrantes de outros estados nordestinos que, por desavenças familiares ou políticas nos seus locais de origem, rumaram para os destinos do sertão sergipano. Noutras vezes, mesmo que não seja tese de muita aceitação, chegaram ali fugindo das secas e vislumbrando dias melhores para sobreviver com os seus. Verdade é que a população destes dois povoados tem uma acentuada filiação aos estados de Pernambuco e Alagoas. Diferentemente do que ocorreu com os fundadores dos povoados ribeirinhos de Poço Redondo, que são Bonsucesso, Curralinho, Jacaré e Cajueiro.
Com relação ao povoado Bonsucesso, às margens do Velho Chico, consta que a sua povoação foi iniciada por volta do século XIX. É um lugarejo belíssimo, com construções antigas, sobressaindo-se as paredes largas, muitas vezes formadas somente por pedras e cimento. Exemplo de construção de arquitetura esmerada, com paredes com mais de meio metro de largura encontra-se num casarão logo defronte ao São Francisco, numa paisagem elevada formando um cenário encantador, no local onde por muito tempo foi de propriedade do primeiro prefeito de Poço Redondo, Artur Moreira de Sá. Aos fundos dessa construção encontra-se um cercado, como se fosse um extenso muro, todo construído de pedras, e dizem que foi obra de escravos sob o açoite da chibata.
O casario de Bonsucesso é constituído também por pequenas habitações geminadas, sem recuo frontal. O lugarejo ribeirinho é conhecido pelos bordados em ponto de cruz e rendendê, produzidos pela população feminina. Do povoado, avista-se a Ilha do Ferro, na cidade de Pão de Açúcar, em Alagoas, e sua praia muito freqüentada nos fins de semana. O transporte fluvial para o município de Pão de Açúcar é diário. Quando as águas do Velho Chico davam peixe em abundância, era do seu leito que a população retirava o seu sustento. Nos últimos anos, principalmente após a construção da Hidrelétrica de Xingó, mais adiante do rio, os peixes parecem ter sumido, causando um grande trabalho para que o pescador encontre algum alimento na sua rede ou mesmo obtenha qualquer resultado nas muitas pescarias com redes rio acima e abaixo.
Ao lado de Bonsucesso, num percurso que é mais fácil de se fazer pelas águas, está o povoado de Curralinho. Surgido em 1877, durante muito tempo se manteve como uma pequena vila parecendo ter parado no tempo. Com residências de calçadas bem altas, muitas delas com mais de três metros de altura para se proteger das águas nas épocas das grandes enchentes, ali estavam as mercearias de Chico Bilato, de Neguinho, o bilhar de Ciano e muitas histórias correndo pelas tardes bonitas, quando as mulheres, a maioria de extensa familiaridade, sentavam nas calçadas para observar o entardecer no rio, as embarcações que partiam e que retornavam, a chegada dos pescados que ia fazer parte da mesa de todos os dias e jogar fora aquela conversa boa de um tempo que não volta mais.
Em frente ao rio também está uma belíssima igreja, dedicada a Santo Antonio, de arquitetura colonial e possuindo preciosas imagens sacras. E mais aos fundos da povoação, num lugar mais alto e vistoso, esta situada uma pequena igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição, que dizem ter sido construída por Antonio Conselheiro. Toda cercado por morros, quando o calor vai caindo sobre o lugarejo os seus moradores vão se refrescar nas águas do Velho Chico, talvez voltando ao ventre daquele que lhes deu vida e permitiu ainda estar ali.
Recentemente visitando Poço Redondo para realizar pesquisas sobre a passagem de Lampião pela região e a análise da memória atual do cangaço, a advogada e historiadora Juliana Ischiara (http://lampiaoaceso.blogspot.com/2010/08/juliana-no-trem-da-historia.html), após visitar Curralinho assim escreveu sobre o povoado:
"Chegando a Curralinho encontramos um lugar naturalmente mágico, lindo, às margens do Velho Chico. Porém, as casas que antes pertenceram a um lugar de grande importância, até por ter sido uma espécie de porto de desembarque de mercadorias e pessoas que visitavam o lugar ou seus parentes, hoje se encontra em total estado de abandono com suas casas, antes imponentes em sinal da condição econômica dos que ali moravam, estão quase demolidas pelo tempo e pelo abandono. Não se pode deixar de fazer uma comparação com a linda e maravilhosa cidade de Piranhas que fica a poucos quilômetros dali, na outra margem do Rio São Francisco, no estado de Alagoas, que preservou e preserva seu patrimônio cultural, impondo aos nossos olhos admirados por sua beleza a história de um povo. Poço Redondo parece que nega ou não dá o mínimo de importância ao seu sítio histórico.
Vale ressaltar que em Curralinho, meio aos escombros das antigas casas que margeiam o velho Chico, encontra-se algumas casas modestas dos que ali ainda vivem. Nesta vila, vemos ainda uma casa bem estruturada, vizinha a igreja nova ou reformada que pertence a um comerciante de Poço Redondo e logo adiante, a casa de Frei Enoque, prefeito de Poço Redondo.
Em Curralinho, vemos também uma linda igrejinha construída por Antonio Conselheiro, quando de sua passagem por ali. Como historiadora e pesquisadora, não pude deixar de me perguntar o porquê e o que leva um povo a não preservar e contar em seus livros de história, a importância de ter sido escolhida pelos dois líderes dos maiores fenômenos sociais do nordeste e porque não dizer do Brasil?".
Na sede municipal de Poço Redondo, lugar onde realmente deveria estar estampada a pujança de sua história, o que se observa atualmente é uma contradição entre a necessidade de acompanhar o progresso e o emperramento nesse mesmo progresso, e tudo motivado por ideologias políticas contraditórias levadas a efeito, por teimosias ou convicções do "quanto pior melhor", dos últimos prefeitos – que não são nem poço-redondenses nem sergipanos.
Com efeito, atualmente, em pleno ano de 2010, percorrendo a sede municipal o que se observa é uma cidade feia, sendo destruída pelo tempo e onde não se verifica nenhuma obra de reconstrução. Ruas esburacadas, paralelepípedos soltos, bancos de praças quebrados ou já inexistentes, sujeira por todos os lados, lugares onde deveriam ser praças de recreação dando lugar a barracas e mesas de feira imundas, prédios públicos sem nenhuma conservação e aumentando ainda mais o desagradável visual da cidade, enfim, um lugar que não é mais digno de ser sede municipal e muito menos ser defendido por seus moradores quando chegam a outras localidades. Comparando-se, por exemplo, a Canindé do São Francisco, cidade vizinha, não seria um erro dizer que Poço Redondo não passa de uma favela.
As praças de Poço Redondo, que eram muitas e bem conservadas, foram relegadas ao plano da pobreza que estigmatiza o lugar e também foram relegadas ao esquecimento. O que antes era uma praça da matriz toda bem delineada, arborizada, com seus caminhos e bancos, e até florida, atualmente se tornou numa paisagem totalmente disforme, feia e sem características de nada, nem de praça nem de qualquer outra coisa. Contudo, como para dizer que nem tudo está perdido, existem locais pelos bairros mais afastados que são bem conservados e até proporcionam uma idéia de que se está em outro lugar. Mas tudo obra dos próprios moradores, que se preocupam com o seu entorno e procuram embelezar os locais onde habitam.
Alguns afirmam que esse descaso que ao longo dos anos vem sendo imposto pelas últimas administrações municipais nada mais é do que uma estratégia para fazer com que os prefeitos obtenham cada vez mais recursos com a feiúra e miséria explícitas do lugar. Quer dizer, quanto mais a cidade passar uma imagem de abandono, de destruição e de decadência, mais os prefeitos serão confortados com verbas e mais verbas para serem aplicadas em obras que depois acabam não existindo. Enquanto isso, a cidade vai ficando ao deus-dará e somente com a esperança de que um dia as graças divinas realmente recaíam sobre o seu povo e o seu lugar.
Com relação à história, o descaso não é menor. Tal fato não passou despercebido aos olhos da já citada Juliana Ischiara, que assim se manifestou em artigo publicado:
"Recentemente passei uma semana visitando os lugares onde o bando de Lampião passou seus últimos dias. Confesso que, além do natural encantamento pelos espaços históricos, de imediato veio a decepção pelo estado de preservação destes cenários. Claro, não me refiro aos espaços naturais como a Grota do Angico ou o espaço onde se deu o combate de Maranduba, mas o que se encontra hoje em Sergipe, em especial Poço Redondo e Canindé de São Francisco, no que concerne ao cangaço.
Em Poço Redondo encontra-se uma cidade que, apesar de pacata e acolhedora, comum às cidades do interior nordestino, encontra-se uma cidade que não valoriza ou explora a temática cangaço, apesar do município sediar o coito mais importante da história do cangaço, no caso a Grota do Angico, tendo sido, também, o município escolhido por Lampião para passar uma longa temporada, claro que ele não deveria prever que seria o lugar onde ele viveria seus últimos dias.
O fato é que em Poço Redondo encontra-se uma modesta praça com dois chapéus de cangaceiros forjados em ferro fazendo menção ao cangaço e um modesto prédio construído logo na entrada da cidade, que serviria de centro de artesanato e cultura, tendo como objetivo fazer menção ao cangaço, que se encontra fechado e, segundo algumas pessoas, nunca funcionou. Nada mais há na área urbana que diga respeito ao cangaço" ("No trem da história", http://lampiaoaceso.blogspot.com/2010/08/juliana-no-trem-da-historia.html).
Não obstante tal realidade atualidade, verdade é que Poço Redondo possui uma rica e instigante história. Mais recentemente, é um próprio filho da terra quem vem fazendo o resgate de sua história, envolvendo não somente a formação do lugar, com seus aspectos históricos e políticos, mas também de todo o contexto em que se desenvolveu o município, principalmente a presença do cangaço e suas consequencias. Conhecedor profundo da realidade poço-redondense, eis que prefeito por três vezes, Alcino Alves Costa vem ao longo dos anos traçando o perfil e as características do seu povo e de sua terra, o que culminou numa obra imprescindível denominada "Poço Redondo: A Saga de um Povo", publicado em 2009.
Quando do lançamento do livro de Alcino, o professor e jornalista Gilfrancisco publicou na imprensa sergipana um artigo com o mesmo título do livro, onde resume as ideias expostas pelo historiador sertanejo, nos seguintes termos:
"Povoação que pertencia a Porto da Folha foi elevada à categoria de cidade em 1956, Poço Redondo, a 185 quilômetros de Aracaju, apesar da seca que assola o município, tem história, lugares que valem a pena ser conhecidos, como a Grota de Angico, onde Lampião morreu, ou o Morro da Letra, nas proximidades do Povoado Santa Rosa de Ermírio, cujas inscrições pré-históricas, em coloração avermelhada, ainda hoje não foram decifradas.
A história de Poço Redondo mudou totalmente na época do cangaço. Segundo Alcino Alves, dois acontecimentos do cangaço marcaram profundamente a vida dos habitantes do município: “Nenhum lugar, na vastidão dos campos sertanejos, viveu agonia tão grande e provocações tão gigantescas como o pequenino núcleo das brenhas do Riacho Jacaré. Por duas vezes, toda a população do povoado abandonou suas casas com medo da violência dos cangaceiros e da volante.”
Autor de uma série de livros, entre eles: Sertão, viola e amor; Lampião além da versão; Preces ao Velho Chico; Maria do Sertão; Sertão, vaqueiros e heróis; Canoas - o caminho pelas águas; João dos Santos – O caçador da Curituba; O sertão de Lampião. Alcino Alves Costa (1940), político festejado, por três vezes prefeito de sua terra (Poço Redondo), local que deu ao bando de Lampião, 26 cangaceiros. Histórias estas ouvidas e absorvidas por Alcino, que passou a contá-las e escrevê-las. Poço Redondo – a saga de um povo -, são narrativas das coisas e da vida do sertão sergipano, sobretudo administrativas, relacionadas ao município.
Ao publicar esta obra, a Editora do Diário Oficial coloca à disposição do público sergipano, o importante trabalho do historiador autodidata Alcino Alves Costa, com isso busca contribuir para o resgate da memória de um dos mais expressivos municípios do Estado de Sergipe, principalmente pelo seu passado ligado à história do cangaço. Alcino é o mais conhecido explorador vivo da história de sua terra. Suas pesquisas e incursões na oralidade nos oferecem um indispensável documento de referência tanto dos fatos da política local, quanto da trajetória de grandes políticos sergipanos. São relatos da vida de um povo que luta para se firmar numa região de clima inóspito e belezas singulares" (Jornal da Cidade, 10/12/2009).


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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