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sábado, 14 de agosto de 2010

BOM CORAÇÃO (Crônica)

BOM CORAÇÃO

Rangel Alves da Costa*


A vida, para a maioria das pessoas, nada mais é do que uma mão estendida ao dia seguinte; a outra mão se alimenta daquilo que conseguiu obter naquele mesmo dia. É dura, é difícil, é sacrificante e crucificante essa vida de muitos.
Destino não é, pois ninguém nasceu para sofrer; costumeiro não é, pois ninguém nasceu desigual e desigualmente terá sorte diferente de outras pessoas; punição não é, pois haveria o erro de ser penalizado duas vezes, aqui na terra e lá em cima. É simplesmente a vida, com suas contradições e injustiças, que muitas vezes provoca o homem para que mostre a força de superação que tem e depois esquece de contornar a situação por ela mesma criada.
Com João foi assim, talvez com Zequinha também, ou ainda com Fabiano. A vida não havia lhe dado nenhuma riqueza, quaisquer tipos de bens materiais que os outros o vissem como poderoso, nada. O que possuía era somente a sobrevida, um pequeno lar que não faltava conforto nem alimentação e muita força para diariamente lutar por dias melhores.
Sem emprego garantido, certo, de carteira assinada, se virava como podia porque era inteligente, sabia mexer com muita coisa e não tinha vergonha de pegar no pesado para garantir seu sustento. Nessa labuta, já havia pintado muro, chiqueirado animal, sido ajudante de pedreira, capinador, jardineiro e muito mais.
Contudo, o que realmente o diferenciava das pessoas na mesma situação que ele era a esperança extremada, era o pensamento sempre positivo e uma alegria permanente nas ações que praticava, fatos que o tornava com uma inabalável certeza de que não duraria muito e seria uma pessoa muito rica e de muitas posses, de muitos poderes e meios para fazer o que bem entendesse.
Mas que bens desejaria obter para alcançar tamanhos objetivos e sonhos? Ora, dizia ele, verdadeiramente rico é todo aquele que tem o suficiente para não passar necessidades, para não estar esmolando e nem se submetendo a um e a outro que estende uma mão e com a outra puxa a dignidade do necessitado. Era isso, toda a riqueza que pretendia obter para se tornar ainda mais feliz se resumia em ter apenas aquilo que lhe servisse na vida cotidiana e pudesse ajudar o outro desfavorecido em determinada situação.
Sua certeza de que seria uma pessoa muito rica daquilo que desejava era tamanha que jamais se negava a compartilhar o que tinha com quem chegasse à sua porta demonstrando necessidade. Conhecia nos olhos e nos gestos, e até no caminhar, as pessoas que estavam realmente precisadas, carentes, muitas vezes pedindo somente um pedaço de pão e se contentando demais com um pão inteiro com uma fatia de mortadela e um copo de ki-suco.
Certa vez, já no escurecer da noite, bateu à sua porta um homem afirmando que estava de passagem por ali, mas diante do tempo chuvoso teria que pernoitar com sua esposa e dois filhos pequenos embaixo de uma marquise, e desse modo perguntou se ele teria um cobertor já usado para lhe fazer doação. Não pensou duas vezes e doou quatro cobertores. Só tinha cinco.
Outra vez estava com um dinheirinho, contadinho moeda a moeda, guardado bem escondido para comprar um rádio de pilha novo, pois o seu andava falhando de tão velho. Soube então que ali próximo havia morrido uma senhora de família muito pobre e que os seus parentes estavam precisando por tudo na vida que ajudassem a comprar um caixão para que a defunta fosse enterrada dignamente. Então ele não só secou o baú e a carteira como saiu pedindo a um e a outro para ajudar a família.
Era do seu instinto ser assim. Já deixou de comer para matar a fome de outras pessoas; já havia comprado remédio fiado para curar enfermidades nos outros; já trabalhou de graça para ajudar a levantar paredes de pessoas humildes; já doou aquilo que sabia que precisaria mais tarde. E por ser assim, por tudo isso que fazia e faz, já foi chamado de besta, de idiota, de tudo. Mas não se importava não, pois lhe bastava saber que tinha bom coração.
Na sua casa humilde havia uma Bíblia aberta em Jeremias 32, 41 que dizia assim: "Encontrarei minha alegria em lhes fazer o bem e solidamente os colocarei nesta terra, com toda a minha alma e coração".
Mas o Senhor lhe reservava o reconhecimento devido, pois "não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos...".




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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