SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 8 de agosto de 2010

LUA DE SOL (Crônica)

LUA DE SOL

Rangel Alves da Costa*


"Te amo demais. Para mim você é como lua de sol!". Uma frase tão bonita, tão poética, tão inspirada e carregada de encantos, mas porque foi pronunciar logo essa frase pra ela? O jovem ficou duas noites e dois dias pensando nisso, com tais palavras martelando sua cabeça, comendo seu juízo, fazendo bagunça em seus pensamentos de menino apaixonado.
O problema não era ter dito que a amava demais. Até aí tudo bem, pois ela havia entendido e era tudo verdade. Não tinha correspondido no instante, mas sabia que ela havia ficado toda contente com o "te amo demais". Qual mocinha não gosta de ouvir isso? Contudo, não sabia de jeito nenhum como lhe veio a ideia de dizer que, para ele, ela era como uma lua de sol. Mas logo lua de sol? Por que foi enfeitar demais e dizer logo isso, logo uma coisa sem pé nem cabeça. Lua de sol, mas o que é lua de sol, meu Deus?
Poderia muito bem ter dito lua de mel, raio de sol, lua estrelada, sol da minha vida, luz da minha vida, lua cheia de amor, minha lua e meu sol, qualquer coisa, menos aquilo. Diante daquilo sem significação alguma, a menina poderia até mesmo criar um significado ruim, imaginar uma conotação pejorativa, como é próprio das mulheres que fazem beicinho. Daí, ela poderia dizer que ele afirmou que ela não passava de uma lua cheia, gorda e feia, e que também era insuportável como o sol queimando.
O rapazinho quase perde o juízo de vez quando uma amiga da mocinha veio lhe dizer que mandasse dizer a ela o que era lua de sol. Enquanto ela não soubesse tim-tim por tim-tim o que era e o que significava realmente lua de sol ele esquecesse de marcar encontro com ela. E ele não tinha mais do que uma hora para dar uma resposta satisfatória, sob pena de nunca mais ter ao menos o direito de pensar que ela existia. Mais tarde a amiga voltaria para saber dar resposta, foi como ficou acertado.
E o que fazer agora meu Deus? Que enrascada eu fui me meter em falar o que não sabia só porque achava bonito! Deixava meu olho verde ficar azul por dois dias só para voltar atrás e ver se aprendia a não falar besteira! Me ajude, meu Deus, a sair dessa que prometo nunca mais abrir a boca sem necessidade nem falar aquilo que realmente não tenha certeza! Se me der uma luz para encontrar uma solução, juro por tudo que seja mais sagrado na vida que vou deixar de ser atirado pra todas menininhas que passem à minha frente! Mas o que fazer, meu Deus?
Num segundo e já estava a caminho da casa do sabichão do lugar, que dizem que chegava a soluçar todas as vezes que lia um poema de amor que acabara de escrever pensando em alguém. Como esse alguém era mulher casada ninguém era doido de dizer o nome. Pois bem. Chegando lá, o rapaz foi recebido com toda cordialidade pelo senhor das letras e soluços. Após contar o caso todo envergonhado, de cabeça sempre baixa, o homem do Lácio lacrimoso mandou que erguesse a cabeça pois já sabia como ele se sairia daquela.
Então começou a explicar falando dos astros. Assim, disse que os astros realmente confundem os amantes e as suas palavras e que, por isso mesmo, quando ele se referiu a ela como lua de sol não quis dizer nada mais do que ela representa a própria força da natureza em pessoa, pois tem a beleza da noite na lua e o encanto do dia no sol. Se não fosse homem, ele jura que ficaria apaixonado pelo sabichão das palavras. Coisa bonita demais ele falou. Só que não iria funcionar simplesmente porque ele não sabia traduzir aquilo de um modo que a amiga da menina pudesse repassar tudo certinho para a outra.
Perdeu uma meia hora recebendo as explicações e agora tinha pouco tempo para procurar outra pessoa e pedir ajuda. Caminhava desesperado sem saber aonde ir e quase derruba o Padre Nestor que também andava com a cabeça nas nuvens. "Meu filho, você parece que anda como a lua de sol, o que foi que houve?", disse o padre, quase fulminando de espanto o rapaz.
"O que foi que o senhor disse mesmo, Padre Nestor, o senhor falou em lua de sol, foi isso mesmo?". "Foi isso mesmo, lua de sol, e por que a pergunta meu filho?". Ele quase não se dava conta de si. "O que significa lua de sol, padre?". E o padre prontamente respondeu: "Lua de sol significa paixão. Lua, que é símbolo dos mistérios do amor, e sol, que é o amor ardente. Assim, o mistério do amor ardente é a paixão".
E o rapaz beijou o padre no rosto e saiu pulando de alegria, deixando o homem da igreja sem entender coisa alguma. Lua é amor, sol é amor ardente, e tudo junto é paixão, rememorava o apaixonado. E então disse à amiga da menina: "Diga a ela que lua de sol é paixão". E esta falou: "Mas ela já arrumou outro e não quer mais saber disso não. Agora, eu sim, eu gostaria que você me chamasse do que quisesse: de terra com açúcar, de poeira de água, de sabonete de mingau, do que você quiser. Vai, me chame de qualquer coisa...".
"Tá certo, meu amor". E beijou a menina sem precisar dar maiores explicações.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: