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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 7 de agosto de 2010

SOB A CHAMA DE UMA VELA (Crônica)

SOB A CHAMA DE UMA VELA

Rangel Alves da Costa*


Num gesto simples, a qualquer hora do dia, mas principalmente ao amanhecer e entardecer, ele riscava o fósforo em direção ao pavio e fazia iluminar aquilo que tinha o significado muito maior do que uma vela. Era a sua imensa fé invocando mais de perto o seu Deus e iluminando o coração e o espírito numa chama sem igual. Seu rosto parecia pequeno diante da flama amarelada, um pequeno grão de enternecimento diante da inabalável fé.
E viu um céu azul que não era um azul que ele conhecia, mas uma coloração azulada que ia se misturando a outras cores suaves, que depois tomava todos os matizes de uma paisagem florida. Sabia que era o céu porque era uma vastidão encantadora, cheia de paz e de luz, com suave música de harpas e violinos que via tocavam sozinhos.
Achou estranho porque não via gente, não enxergava as pessoas boas e justas que dizem ir para o céu quando morrem. Depois ficou sabendo, através de inscrições num portal diante de um imenso jardim, que as pessoas eram as flores que estavam ali, e todas perfumando bons aromas de saudades para os seus que ficaram entristecidos na terra. O perfume se torna um alívio diante da dor e faz as pessoas aceitarem o destino.
E viu um anjo, dois anjos, milhões de anjos, alguns pairando ali ao seu lado, com semblantes também iluminados pela chama cada vez mais brilhante da vela. Outros anjos voavam mais longe, pelo alto, todos cantarolando e soltando pequenas estrelas pelo ar e fazendo farfalhar pequeninas luzes embranquecidas todas as vezes que moviam suas asas. E mais no alto ainda, subindo e descendo do céu, uma festa de anjos com papéis nas mãos.
Depois ficou sabendo que em cada uma daquelas pequenas folhas estava escrito a missão do anjo sobre a terra e sobre quem ele deveria guardar, e até pôde ver e ler algumas daquelas palavras: "Maria anda muito triste. Faça-a entender que está muito nova para namorar e que mais tarde irá encontrar um príncipe encantado"; "Corra para perto de Pedrinho. Faça ver a ele que é um menino sério e bom, de bom caráter e de boa formação, e que não deve se juntar, de jeito nenhum, com aquelas amizades que só pesam em destruí-lo".
Outros escritos diziam: "Faça com que Lucinha esqueça um pouco que nesses dias orou demais para ser atendida naquilo que tanto deseja. E quando ela estiver achando que suas preces não tiveram nenhum valor, faça uma surpresa boa, dando em dobro tudo aquilo que ela há muito tempo espera"; "Prepare João para reconhecer seus erros. Depois faça-o sofrer o que merecer. Será feliz mais tarde, se aprender com os erros"; "Lembre que todo mundo vive zombando de Carmem. Arranje um namorado para ela, de modo que todas as amigas se arrependam e se envergonhem do que fizeram imerecidamente com ela".
E pôde ler outro bilhete trazido por um anjinho que quase não acredita: "Paulo acendeu uma vela e está orando com fervor neste momento. Reacenda no seu coração a importância da oração e da sua fé, fazendo-o ver que este é o caminho mais próximo para falar com o Pai. Deus está sempre atento às suas orações e está junto ao seu coração sempre que dê passos em direção ao bem. Sopre aos ouvidos de Paulo que a resposta silenciosa da oração é a palavra mais forte que alguém pode ouvir. Tudo ecoa através da fé e da oração, e por todos os instantes e em todos os lugares o Pai estará ouvindo o seu filho que clama. Abençoai, em meu nome, este menino homem".
Paulo era ele mesmo, tinha certeza. E de olhos fechados, em profunda oração, mas com aquelas palavras do bilhete na memória ou como se estivessem ali à sua frente, aumentou ainda mais o seu fervor e devoção e diante dos seus olhos, aos poucos, foi surgindo a imagem do Senhor.
Era ele, pois sentiu diante de si e entrando pelo seu corpo algo inexplicável: uma força que eleva pelos ares e faz o homem se sentir tão forte quanto a sua fé. Depois se prostrou sob o chão e chorou como nunca havia chorado. Sobre sua cabeça sentiu a leveza e o calor de uma mão. E ao se erguer e se recuperar daquela experiência indescritível, sentiu que não estava mais molhado de lágrimas e que a vela estava intacta, como se jamais estivesse sido tocada. Sentiu que a caixa de fósforos estava na sua mão.
Acendeu a vela e orou agradecendo por tudo.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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