*Rangel Alves da Costa
Bernardino Rocha era o nome daquele que foi
alcunhado como Canário no bando de Lampião. Filho de Poço Redondo, no sertão
sergipano, da prole de Seu Cante e Dona Virgem, na vida cangaceira teve como
companheira a também poço-redondense Adília. No cangaço, atuou muito mais no
subgrupo de Zé Sereno que mesmo ao lado do Capitão Lampião. Curiosamente,
Canário, por sua compleição dura, rija, mal-encarada, era tido como um dos
cangaceiros mais feios.
Segundo testemunhos da já falecida Adília,
ainda nos tempos em que vivia na simplicidade de uma casa no Alto de João
Paulo, distando cerca de um quilômetro da sede da cidade de Poço Redondo, o seu
companheiro havia lhe negado muito do prometido. Mocinha nova, ainda assim seguiu
com Canário à vida difícil por paixão. No entanto, não demorou muito para que a
rudeza do companheiro fosse transformando o amor em negação. Afirmou Adília que
chegou um tempo de não querer olhar nem pra cara do companheiro.
Suportou, contudo, até o ano de 38, após a
Chacina de Angico, onde Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, foram
emboscados e mortos por soldados da volante alagoana, comandados pelo tenente
João Bezerra. Após isso, mesmo com a insistência de Canário em não se entregar
às forças policiais, Adília seguiu até Propriá onde abdicou de vez de sua vida
cangaceira. Depois viria saber que o seu companheiro havia sido traído e morto
nos arredores de Poço Redondo, e pelas mãos de um primo seu: Teodomiro, o
cangaceiro Penedinho.
O adiante segue faz parte de um relato
produzido após uma recente visita que fiz ao local da traição e morte de
Canário, dentro de uma propriedade que se distancia apenas cerca de três
quilômetros de Poço Redondo, meu berço de nascimento. Eis:
“Fazenda
Coruripe nas proximidades da cidade de Poço Redondo. Paisagem impressionante.
Os lajedos embranquecidos agora ladeados por uma mataria verdejante. As chuvas
caídas transmudaram o acinzentado das catingueiras e tufos de matos em imagens
difíceis de ser encontradas pelos sertões. Em setembro de 38, já passado o
período chuvoso, certamente que a moldura matuta já estava diferente, mas
também de caatinga muito mais fechada e de verdadeiros labirintos espinhentos
por todo lugar. Canário, ao lado do também cangaceiro Penedinho, não se
abrigaria em local muito aberto, ainda que aí, dado ao leito arenoso propício à
junção de águas, jamais pudesse ficar totalmente encoberto pela densa
vegetação. A proteção maior estava mesmo nas laterais acidentadas, marcadas
pela presença de pedras e lajedos. Um ambiente propício tanto à defesa como ao
ataque. O cangaço já havia terminado com a morte de Lampião e parte do bando do
bando pouco mais de um mês antes. Canário fugia agora era da volante que
continuava nas pegadas dos cangaceiros que ainda não haviam se entregado. Ele
sabia que Zé Rufino a qualquer momento poderia riscar por ali. E ele não queria
se entregar de jeito nenhum. Mas foi surpreendido pela traição. Foi traído e morto
por seu acompanhante Penedinho. Após balear e confirmar a morte de canário,
então o traidor logo se dirigiu até a povoação baiana de Serra negra,
quartel-general do comandante e caçador de cangaceiros Zé Rufino. A intenção de
Penedinho era se livrar da prisão e outros horrores, fazendo sua entrega de
forma honrosa. Segundo alguns autores, o crime perpetrado havia sido de mando,
vingança encomendada por um coronel afamado e que havia tido uma vindita com
Canário. De uma forma ou outra, a verdade é que após tomar conhecimento da
morte, imediatamente Zé Rufino para os sertões sergipanos se dirigiu. Desta
feita, objetivando catar alguma riqueza porventura deixada pelo cangaceiro
morto, vez que Penedinho lhe havia confessado sobre a existência de muito
dinheiro e ouro. Provavelmente não encontrou o esperado e, por isso mesmo, degolou
o morto, arrancando fora a cabeça do famoso Canário, e como troféu com ela
retornou para mostrar sua força. Contudo, teve um laivo de humanismo ao mandar
providenciar o sepultamento dos restos putrefatos. Assim, os restos do
ex-companheiro de Adília foram enterrados um pouco mais adiante, debaixo de um
umbuzeiro ainda existente. E não faz muito tempo que a saliência da cova podia
ser avistada pelos que por ali andejassem. Histórias do sertão. O livro vivo de
Poço Redondo”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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