*Rangel Alves da Costa
Eis, como
fotografia perante o meu olhar, a moradia mais importante que já existiu no
solo sagrado de Poço Redondo. Daquelas criações arquitetônicas marcadas pelo
esmero e pela beleza em cada curva.
E talvez
também a mais bela, imponente, um marco histórico ainda recordado por muitos. A
casa já não existe, pois um dia foi abaixo para dar lugar a uma nova
construção, e esta tão feia e tão fria como a insensatez humana.
Falo de uma
casa familiar, de meus avôs maternos, em cujas dependências passei grande parte
de minha infância. A casa de Teotônio Alves China, o China do Poço, e de
Marieta Alves de Sá (ou simplesmente Mãeta).
Moradia
sertaneja que um dia acolheu o Padre Artur Passos e Lampião, que era parada
obrigatória para os ricos senhores das terras adiante, passagem obrigatória
para comboeiros e outros desbravadores dos grandes sertões.
Sinhôzinho
Britto chegava aí, proseava aí, descansava aí. Uma rede armada na varanda, o
chapéu em riba de tamborete, e o repouso do latifúndio, da riqueza, dos
senhorios daqueles sertões antigos.
A fortuna
de meu avô China eram as amizades muitas. Ele mesmo, depois que se desfez das
fazendas, passou a se contentar em ser vendeirim no pequeno salão ao lado da
moradia.
Mantinha a
vendinha não porque necessitasse da venda de um quilo disso ou daquilo pra
sobreviver, mas principalmente para manter um balcão onde amigos chegavam para
falar sobre a vida e o viver sertanejo.
Minha avó
Marieta, a querida Mãeta, vivia comungando mais com os céus do que com as
coisas mundanas. Extremada devota, beata de xale e promessa, mulher de rosário
de conta e de fé de vela e oratório. Não tinha salvação quem não fosse
abençoado por ela.
Depois que
o seu China partiu em adeus, o entardecer de Mãeta era para sua calçada e para
dar a benção a quem passasse. “Bença, Mâeta!”. “Deus abençoe, meu filho. Deus
abençoe!...”.
E ainda
recordo em vivez
aquelas
portas e janelas
as salas e
os corredores
entre
paredes largas e fortes
entre
passos que percorriam
aquele
mundo entre histórias
entre as
lutas e as devoções
entre
rosários de esperanças
e as
lágrimas inevitáveis da vida
e eu um
meninote de pés no chão
lanhado
pelas correrias no mato
adentrava
aquele mundo meu
sem
imaginar que aquele meu
já era do
tempo e da história
já era um
marco para um amanhã
a tudo entristecido
recordar
pela
certeza de tudo um dia acabar.
Hoje a
casa não existe mais. Sua feição apenas nos velhos retratos, nas velhas
fotografias. Mas eu ainda não fechei suas portas nem suas janelas. Eu ainda sou
aquele menino que ia tomar água no pote e depois deitar no colo de minha avó
para receber cafuné.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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