*Rangel Alves da Costa
Eu sempre entristecia ante as folhas secas e
mortas sendo levadas ao vento, perante as flores ressequidas no jardim outonal,
diante do banco quebrado e triste de uma praça qualquer.
Até entristeço ainda, mas somente quando a
dor passar em mim. Muitas vezes, nossos sofrimentos interiores nos fazem perder
a sensibilidade perante outras situações. O que nos atormenta por dentro vai
fazendo distanciado o olhar perante o mundo lá fora.
Eu sempre entristecia ante as casas velhas
com ares de abandonadas, com janelas e portas fechadas, como se nelas um luto
fechado e uma melancolia voraz. Passando adiante, eu sempre desejava que alguma
janela se abrisse ou que alguma voz fosse ouvida vinda lá de dentro. Mas nada
disso acontecia, e então eu entristecia cada vez mais.
Certamente que ainda entristeço quando passo
adiante das casas de portas e janelas fechadas, com folhagens muitas sobre as
calçadas e feições de adeuses e despedidas. Contudo, o meu passo vai seguindo
tão incerto, tão cheio de incertezas, que até imagino também estar de portas e
janelas fechadas.
Eu sempre entristecia ante os retratos antigos
e amarelados nas paredes, perante baús abertos e cartas de outros idos, diante
relíquias de um tempo que era só de saudade. Tudo isso me comovia como se
estivesse diante daquilo que eu precisava, porém sem poder, reencontrar.
Ainda entristeço com tudo isso. Contudo, de
vez em quando me vejo perante meus próprios retratos antigos, meus velhos baús
abertos, minhas relíquias empoeiradas. Tento fazer de conta que nada disso
causa dor ou comove, mas não tem jeito. Não se pode fugir daquilo que foi
semeado que continua vingando no tempo presente.
Eu sempre entristecia perante a mão de esmola
estendida, ante o menino adormecido debaixo da marquise, diante da infância
esfarrapada pelas esquinas e da meninice sem esperança alguma de dias melhores.
Eu chorava por tudo isso. O meu lenço continua molhado, mas por outros motivos.
A dor e o sofrimento cresceram. Sei que as
mãos de esmola estão por todo lugar, sei que os pratos vazios estão por todo
lugar, sei que a dor e o sofrimento de velhos, moços e crianças, estão por todo
lugar. As infâncias abandonadas, entregues à própria sorte, também estão por
todo lugar. O pranto cresceu. O sofrimento também.
Eu sempre entristecia ao me deparar com a
velhice solitária, com o passo trôpego da idade, com a ausência dos familiares
em momentos de maior precisão. Filhos que abandonam os pais, pais que têm de
suportar a aflição do abandono daqueles que um dia tudo fez para um viver com
dignidade.
A dor e o sofrimento também cresceram. Tais
abandonos se avolumam e espantam cada vez mais. E então fico imaginando como
será o meu amanhã. Talvez, e não muito diferente do que eu tenho avistado, a
minha velhice também será de solidão e de pouca luz. E, mesmo que algum amparo
chegue, sem amor o mesmo frio na alma continuará.
Sobre
coisas assim é que me ponho a imaginar. Divagações, meditações, pensamentos,
que vão se amontoando. Imagens de angústias e melancolias, mas nada além do que
seja tão presente na vida real, no mundo real. É como se uma lua vagasse sobre
mim e sua luz, tão forte e tão brilhante, ainda deixasse na escuridão o que
precisaria ser melhor avistado.
Mas nada poderia ser melhor avistado. A luz
da lua sempre se divide. O que é possível se avistar ao longe e o que é
dolorido avistar por dentro. Dentro da vaga lua que há em mim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Que texto maravilhoso! Muito lindo! Parabéns!
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