*Rangel Alves da Costa
Tudo em seu lugar. Tudo parecendo na mesma
forma dia após dia. A moringa na janela, as flores no caqueiro, a roupa no
varal, as frutas maduras no pomar, as plantas e as vidas. Tudo em seu lugar.
Eu, sentado atrás da janela aberta, quase no
canto da sala e sobre a velha cadeira de balanço, apenas avisto a vida passar
como leve brisa. Um menino corre atrás de uma bola, um cachorro passa sem
pressa, a solteirona faz seu percurso entre aromas e suspiros.
Dia normal num dia comum. Apenas uma leve
brisa que sopra lenta e sonolenta vinda detrás das montanhas. Nenhum sopro mais
forte, nada que mude a feição daquele instante de brisa. Tenho tempo até buscar
relembranças e sentir alguma saudade.
De repente tudo mudou de feição. Um zunido
surgiu ao longe e no seu passo o sopro mais forte do vento. Poeira e pó logo
surgiram nos ares. Uma folha seca passou, depois mais outra folha seca. Um
monte de folhas secas passando.
As roupas começaram a espanar no varal. A
moringa se desprendeu do umbral da janela e no chão se espatifou. Ouvi uma
fruta madura caindo, depois outra e mais outra. O que era zunido logo se tornou
em açoite.
Então pensei: Num instante a brisa e logo no
outro a ventania. Será a imitação da vida ou a natureza ensinando a nos
preparar para os instantes seguintes? Não se deve acostumar apenas com o
instante. Deve-se, sim, preparar-se sempre para as possíveis mudanças.
Um galho seco foi arrancado do tronco e
levado ao longe. A ventania soprava cada vez mais forte. As roupas do varal já
haviam subido pelos ares e desaparecido. Os dois mastros do varal ao longe
foram lançados. Um pássaro caiu sobre o meu ombro.
Então pensei: Assim as coisas mudam. Assim
com o contentamento, com a alegria, com o sorriso, com o prazer deleitoso, com
a vitória e a conquista. Do outro lado, apenas ali para aparecer num instante,
o seu inverso.
Nada como a gente gostaria que fosse. A
alegria seria permanente, o sorriso seria duradouro, a felicidade seria um
trunfo inatacável na alma. Mas e a tristeza, a dor, o sofrimento, a angústia, a
aflição? Como tudo isso aconteceria se não surgisse do seu inverso?
A sala logo se encheu de folhas secas. A
poeira e o pó se acumulavam pelos cantos. As flores do caqueiro foram
arremessadas na parede. Batiam à porta como se alguém quisesse entrar, mas era
apenas a força do vento trazendo suas surpresas.
Ante aquele pássaro em voo forçado e pousando
no meu ombro, então imaginei o que poderia ter acontecido com a borboleta e a
flor do jardim. Tudo desfolhado, tudo revirado, tudo transformado em despojos
de angústia e solidão.
Então pensei: Num instante passado e num
instante seguinte. Qual a força que temos ante o inesperado? Qual o poder
humano perante os mistérios, os segredos e os fenômenos desconhecidos? O que é
o homem, ou o que o homem pensa ser, ante o que está além de sua força?
Pasmem, mas a ventania foi crescendo ainda
mais. A janela da sala batia em solavancos. A cadeira de balanço ondulava
sozinha. A porta não suportou os açoites e se abriu de vez. Não demorou muito e
um toco de pau chegou como em voo pela sala. E eu continuava ali.
Não levantei para avistar o mundo lá fora
pela impossibilidade de fazê-lo sem também ser arremessado ao chão. Contudo,
imaginei o quanto já estava devastado perante aquela repentina e surpreendente
ventania. Talvez já um vendaval ou coisa mais assombrosa.
Então pensei: Triste do homem que se acha rei
e dono do mundo. A ventania exemplifica bem o poder de voraz destruição dos
egoísmos, das soberbas, dos orgulhos e das empáfias. Todo o poder egoísta é
folha seca. E no instante seguinte tudo já terá se desfeito pela estranha força
que sempre vem.
O zunido parecia um gemido assombroso. O
açoite parecia o mundo se desfazendo. Pedras arremessadas, montes desfeitos, e
agora somente escombros, pedaços e poeira. Para tudo logo se transformar em pó.
Da altivez ao grão do nada. Do nada, o nada simplesmente.
Tudo assim acontecido em poucos instantes.
Tudo tão diferente antes da chegada da ventania. Ou assim também não ocorre com
a vida humana? Ninguém sabe o que poderá acontecer no instante seguinte. Nada é
somente brisa. A ventania sempre quer açoitar.
Então pensei: Será que já aprendi o
suficiente? Confirmei que sim. E então fui até a janela para sentir o frescor
da brisa sobre o meu rosto. O dia estava bonito, os pássaros voejavam e o jardim
perfumava com o seu florescer.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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