*Rangel Alves da Costa
Dá-se o nome de romaria aos grupos de pessoas
que viajam em peregrinação aos locais sagrados, guiados pela fé e pela crença,
objetivando sempre a demonstração de gratidão religiosa ou a retribuição por graças
alcançadas. Romeiros, pois, são tais pessoas que seguem a pé, em animais ou
outros meios de transportes, vencendo cansaço e até as dores de enfermidades,
para ter-se diante daquilo que reputam como divino ou milagroso. Muitas vezes,
a simples presença é como alívio ou cura.
Os objetivos da romaria podem ser
diversificados, mas a real penitência sempre se volta para o pagamento de promessas,
a alimentação da fé e a demonstração de amor e gratidão ao templo, ao santo ou
ao local tido como sagrado. É neste sentido que os romeiros de antigamente
faziam quando, neste período do ano, já ao findar o mês de outubro, seguiam em
grupos até Juazeiro do Norte, na região do cariri cearense, para louvar a vida,
os feitos e os milagres de Cícero Romão Batista, o Padre Cícero Romão, ou
simplesmente “Padim Ciço”.
Hoje a ida até Juazeiro do Norte, terra do
Padre Cícero e da fé do nordestino, é feita de modo muito mais seguro, ligeiro
e através de meios de transporte modernos e confortáveis. É uma viagem
qualquer, a passeio, com hora de partida e de chegada, acaso algum contratempo
não surja. Muito diferente de antigamente, quando viajar a terra sagrada dos
nordestinos significava esforço, sacrifício e extrema abnegação. Somente a fé
para chamar e conduzir o sertanejo em meio a tantas atribulações na viagem e
estadia.
Nos dias de agora, basta fretar um ônibus de
turismo ou tirar da garagem o possante de luxo e seguir viagem. As paradas são
poucas, os restaurantes oferecem do bom e do melhor nos instantes de fome, as
vias são asfaltadas e as distâncias parecem muito mais encurtadas. Agora
imaginem uma viagem longa e cansativa, por muitos trechos de chão batido, em
cima de uma caminhonete, rural ou caminhão pau de arara. E num apinhado tão
grande de gente que mal dava para abrir a boca para as cantigas e rezas de
romaria.
Mas quanto mais sacrifício mais demonstração
de amor ao santo padrinho do nordestino e do sertanejo. E assim porque desde
muito que o Padim Pade Ciço foi santificado pelo povo, desde muito que a fé em
seus milagres está presente na vida de tantos. Mesmo sem o reconhecimento
oficial do Vaticano, o Santo do Juazeiro já foi entronizado pela fé de um povo
que o devota proteção, cura e desatribulação. Exemplo disso está na sala dos
ex-votos onde troncos e membros em madeira, representando as partes curadas,
estão expostos como demonstração das graças alcançadas.
Dona Maria havia sido desenganada pela
medicina. Com problema tamanho e sem mais jeito a dar pela ciência humana, um
dia se ajoelhou perante a imagem do Padim Pade Ciço e, após lágrimas e orações,
ao santo pediu intercessão de cura e prometendo que se boa ficasse, a partir
daquele ano não faltaria a mais nenhuma romaria. E no mês de outubro lá estava
ela subindo num pau de arara e levando consigo a prova da cura em madeira: duas
pernas. Desenganada estava, mas o santo nordestino lhe permitiu restabelecer
suas forças e ficar curada daquelas dores terríveis que até a impediam de
caminhar.
Assim com Sebastião, com Jurema, com Quitéria,
com Leontino. Todos curados pela intercessão do Padim Pade Ciço, pelo desejo do
santo dos pobres e dos desvalidos. Por isso mesmo que dificilmente há uma casa
onde não esteja presente a imagem do milagreiro ou mesmo uma fitinha de fé. E
não adianta querer justificar que a cura foi obtida por outros meios. Ora, o
povo não quer saber se houve receita e médico, se houve injeção ou comprimido,
se houve dieta e cuidado. O que importa mesmo ao povo é a certeza de que
através da fé foi atendida pelo Santo de Juazeiro.
Daí que, no passado, tanto sacrifício para
pagar promessas, para visitar o túmulo do santo padre, para entrar ajoelhado
nas igrejas, para ouvir missas e sermões, para receber a água benta de
Juazeiro, para avistar a estátua, para chorar a seus pés. Mais de dia de
viagem, levando a devoção no peito e farofa com carne seca no saco de viagem.
Mulheres já partindo com lenços na cabeça, vestidos compridos, dinheirinho
escondido nas pregas das anáguas, em atitudes que somente a fé e a devoção
extremadas podiam justificar.
E de Juazeiro retornar renovadas, espiritualmente
fortalecidas, e trazendo sempre uma garrafinha de água benta, meia dúzia de
rapaduras e um punhado de fitas. E a promessa de retornar. E a certeza de que o
altar nordestino está mesmo em Juazeiro e no pedestal santificado está o Santo
Padim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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