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terça-feira, 29 de outubro de 2019

O RETRATO DE HUR



*Rangel Alves da Costa


Quem é Hur? Quem deseja saber sobre Hur? Alguém já ouviu falar de Hur? Hur é alguém, ou ao menos deveria ser visto como tal.
Acaso seja visto como pessoa, como humano, Hur não deveria ser reconhecido como tal? Difícil acreditar que alguns - ou muitos - ignoram totalmente a existência de outros.
A verdade é que dificilmente desejam saber sobre Hur. Então, por que o têm como insignificante, quase como um inexistente ou ocultado perante outras situações de vida?
Ora, assim geralmente dizem: quem quer saber de pobre, de carente, daquele que pouco tem a mostrar além de uma roupa velha e esfarrapada, chinelos aos frangalhos ou mesmo de pés descalços?
Por isso que certamente poucos já ouviram falar sobre ele. Na verdade, Hur parece invisível. E tão invisível que mesmo estando adiante é como se nada ali estivesse.
Ninguém gosta de avistar a pobreza, a miséria, a carência de quase tudo. Hur passa e parece que ninguém passou. Só faltam passar por cima, pisar em seus restos, dizer que nada viu.
Quando é avistado, o olhar preconceituoso sempre o desqualifica no mesmo instante. Tudo é feito, tudo é lastimoso, tudo é evitável em Hur. Que coisa mais abjeta de ser vista, talvez digam.
Poucos querem saber da pessoa que há em Hur. Não apenas Hur mais qualquer um que seja pobre, carente, que viva na carência, na miséria, esquecido nas vielas da vida ou nos barracos da insensibilidade.
Quase ninguém o vê semelhante ao próprio homem. Seria doloroso demais aos olhos do preconceito, da discriminação e da intolerância. Qual olhar de riqueza deseja ter de encarar uma realidade tão pobre na pessoa de Hur?
Avistá-lo e reconhecê-lo seria forçoso a imaginar a existência de um coração, de um sentimento, de pessoa dentro daquela imagem. Talvez seja visto apenas como bicho. E logo a indagação: e bicho tem coração?
Quem se preocuparia com o bondoso coração de Hur? Quem tem tempo para saber que Hur sente fome, sede, é carente e possui necessidades?
Será que Hur sofre, chora, sente fome, sente fome? Será que Hur tem sentimentos, ama, deseja, quer? Será que Hur sabe fazer um carinho ou beijar uma boca?
Não. Não. Não. Amar, viver, ter sentimentos, ser grande, tudo isso é coisa de rico. Hur é pobre. E pobre deve ser esquecido em todos os sentidos. E certamente apregoam que pobre não sabe amar, mas apenas estender a mão e pedir.
É melhor nem avistar, não demoram a dizer. Gente pra ser gente e vista como gente tem que estar bem vestido e com aparência de quem tem prato e colher, também não demoram a dizer.
Agora mesmo Hur passou por ali. Você viu? Nem se quisesse poderia vê-lo pessoalmente. Ele está em muitos, em milhares, milhões de desvalidos que agora estão nos escondidos empobrecidos do mundo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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