*Rangel Alves da Costa
Eu ainda era meninote quando avistei Neném
pela primeira vez. Avistei e achei estranho, pois uma moça pequenina e com
aspecto já de mais idade do que realmente tinha, com rugas pela face e voz um
tanto grossa e arrastada. Havia nascido assim, com problema genético que lhe
fazia parecer já envelhecida ainda jovem. Como ela não saia muito, sempre
recolhida em algum canto da casa, então resolvi me aproximar um pouco mais,
conhecê-la melhor. E desde então firmei uma amizade que se mostrou duradoura
até sua despedida terrena.
Neném nasceu em prole distinta na cidade
sergipana e sertaneja de Poço Redondo. Sua mãe Clotilde vinda da raiz dos
Feitosa, uma das famílias fundadoras da povoação. Igualmente seu pai, do tronco
dos Lucas, originária do Poço de Cima, primeiro arruado que deu origem à atual
cidade. Contudo, casal humilde, sobrevivendo dos esforços cotidianos, num tempo
onde os sertões eram somente da planta, do bicho e da terra. Quando seu esposo
faleceu ainda moço, então Clotilde tomou as rédeas da família e criou sua prole
no sacrifício e na luta.
Tempos após, Dona Clotilde deixou a
residência na região central da cidade e se mudou para uma casinha um pouco
mais distante, num canto de rua. Pela sua condição física e de saúde, Neném seguiu
a mãe como uma criança que de um braço não pode desapartar. Assim, sempre
sentadinha na sala da frente, num sofá rente à janela lateral, acompanhava a
maestria de sua genitora na renda de bilros. Sim, Dona Clotilde até hoje
(embora não se entregue mias ao ofício) é conhecida como uma das maiores
rendeiras do sertão sergipano. Foi com a renda que, muitas vezes, conseguiu
fazer a feira para o sustento familiar.
Neném continuava sempre ao lado da mãe. Ora,
não podia sair de seu lado de jeito nenhum, pois somente ali o conforto e o
amor que tanto necessitava. Com o calendário avançando, sua feição envelhecida
foi deixando ainda mais marcas. E também o corpo se fragilizando ainda mais,
pois degenerando pela própria disfunção genética. Fraquejava, mas continuava
insistindo em existir. A família e os amigos, contudo, temiam que não
suportasse muito tempo aquela fragilidade. E foi definhando, esmorecendo, até
não mais suportar. Recebi a notícia de seu falecimento enquanto estava na
capital, e muito lamentei não poder estar presente na sua despedida.
O tempo
passou. E ela já deu adeus e partiu. Lembro-me ainda do chocolate, que ela
primeiro fez cara feia e depois gostou. Recordo-me ainda de sua voz grossa,
compassada, e de seu sorriso que despontava ante qualquer palavra. Lembro-me
desse cantinho de sofá que é também cantinho da casa, bem juntinho à janela de
Dona Clotilde, sua mãe. Neném sempre estava aí. Certa feita, quando levei esse
mesmo retrato num quadro de parede, então senti seus olhos brilhando. Estava
emocionada, tomada de comoção, quase sem acreditar no que via. O retrato está
lá, continua na parede.
O retrato
continua na parede, mas Neném apenas na memória e na recordação, no amor
deixado e no amor sentido. O tempo passou e ela já deu adeus e partiu.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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