Rangel Alves da Costa*
Por mais contraditório que possa parecer, algo assim como a paz e a guerra, a tristeza e a alegria, mas a verdade é que o espinho e o pé possuem muito mais afinidade entre si do que possa imaginar nossa vã filosofia.
Verdade é que os dois se aproximam, se buscam, guardam entre si um complexo relacionamento de amor e ódio. Daí serem tão próximos um do outro e tão distantes, viverem se buscando e se afastando, estando ou passando pelo mesmo caminho, sabendo que estarão juntos e evitando o encontro.
Mas é realmente um relacionamento complicado, cheio de exageros. Tomando o exemplo da relação amorosa, o espinho seria apaixonado e o pé dando uma de difícil e evitando sempre a aproximação, ainda que saiba da possibilidade de qualquer dia ser alcançado pela flecha pontiaguda do outro.
O espinho é amante, apaixonado solitário que passa os dias esperando o seu amor. Quase sempre no mesmo lugar, sofre debaixo do sol e da chuva, de vez em quando é enxotado dali, e tudo na expectativa de que a qualquer momento comece a ouvir os passos na estrada, comece a sentir a chegada do pé. Pé ante pé, a aflição no coração tão amante.
O relutante pé - querer que vive fugindo do seu amado - não procura se afastar sem grandes motivos para tais. Como qualquer ser, teme que a proximidade, o encontro, a relação, seja difícil demais. Sempre teme a pontada, a dor, a vontade de chorar, o grito, até mesmo o sangue jorrando de suas entranhas.
Muita gente poderia achar o contrário, mas a verdade é que o espinho possui mais fama de perigoso do que merece. Nasceu para ser daquele jeito e ninguém pode mudar isso; veio ao mundo para ficar jogado, abandonado e esquecido pelo meio dos caminhos e ninguém procura compreendê-lo.
O espinho não nasce na estrada, no caminho, na vereda ou em qualquer outro lugar que seja encontrado. Está ali porque trazido pelo vento, porque alguém passou com um tronco de árvore e o fez cair, porque caiu de uma planta ali existente. Nessa condição de desalento passa os seus dias, tendo ainda de suportar o medo que causa aos outros sem ter a menor culpa.
Muitas vezes é mais ferido do que pode ferir. Costumeiramente passam por cima com botas ou botinas esmagando tudo; não é difícil que rodas estraçalhem até a alma; quase sempre caminham dando pulinhos para evitar o encontro. Mas o mundo vem abaixo quando um pé desatento e descalço pisa bem no lugar que está repousando. Então começa o xingamento desde a sua primeira geração.
Mas isso é feito pela pessoa, pela dona do pé, e não pelo próprio pé. Como já afirmado, todo pé sente um desejo escondido pelo espinho que encontra. Num jeito masoquista de ser, finge não querer encontrá-lo, se treme todo diante da aproximação, mas gosta da pinicada, da pontadinha, da ponta afiada entrando na pele, da dor diferente causada.
Dependendo do impulso com que o pé vá de encontro ao espinho, dificilmente este não ficará grudado. O pé gosta, permite que ele lhe atinja, avance e vá além da pele. A dor ainda não é sentida, mas apenas uma pontadinha igual àquela que o coração sente quando amorosamente se assusta. Mas depois, assim que a fisgada alcança o ponto sensor cerebral começa a reviravolta.
Igual a pai que não quer filha namorando, se sente ofendido quando encontra a sua mocinha com outro, bem assim faz o cérebro com o pé. Imediatamente transmite a dor para o local e faz com que o pé se revolte com a atitude do espinho. Se a dor era fininha, torna-se intensa, se a pinicada não afetou quase nada tudo se torna num escarcéu.
Mas a verdade é que o pé faz isso forçadamente. O desejo de todo pé é conviver bem com o espinho, um acolhendo o outro sem problemas maiores. É amor, e outra coisa não é. E tanto é assim que as lágrimas de sangue só ocorrem depois da separação, quando o espinho é tirado do pé.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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