SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 10 de junho de 2012

VALSA AO LONGE (Crônica)

                           
                                            Rangel Alves da Costa*


Às vezes me sinto em meio à suntuosidade e brilho dos grandes salões. Nobres, aristocratas, cortesãs, madames, reis e rainhas, e eu lá valsando a valsa mais bela.
Minha princesa não me estendeu a mão para o grande baile, também ela não sabe dançar e ainda por cima esqueceu seu vestido dourado, suas joias douradas, seu sorriso dourado. Esqueci de convidá-la para a grande festa.
Não quero mais sonhar assim. Nada me agrada em meio ao luxo e a imponência se meu amor não está ao meu lado; nada me satisfaz nessa música, ainda que a valsa seja sublime, se o meu amor não vai valsar comigo.
Meu sonho me levou sozinho em viagem. Gosto disso não. Prefiro pesadelo a estar sozinho por aí, distante, bem distante do meu amor. E me chegam cavalos alados, carruagens de nuvens, caminhos de brilhantes com pedrarias. Nada disso me faz feliz, nada disso me faz sorrir e cantar se não tenho quem amo ao meu lado.
Prefiro acordar no meio da noite, fugindo do sonho de viagem sozinha, e levantar para dançar a valsa da lua. Lá fora, entregue ao negrume da noite, do vento recebendo o açoite, estendo a mão ao meu amor e sigo em direção ao imenso salão.
Que majestoso salão o que nos chama a dançar. Mas emudeço Strauss e Tchaikovsky por instantes. Ainda não é hora de viajar pelo Danúbio Azul nem colher no jardim a Valsa das Flores. Por enquanto prefiro o silêncio.
No silêncio se ouve a valsa do amor, do encontro, do abraço, do toque, do beijo, da busca, do murmúrio, da procura, do olhar sem ver. Em cada sublime acorde e a boca umedecendo, os lábios molhando, o corpo em vapor. E darem-se os braços para a dança é entregar-se para o amor.
Salão iluminado por lua, enfeitado com plantas, cheirando a mangas e goiabas maduras. Cheiro perfumado de fruta madura. Nos imensos espelhos se avista a vida, ainda que ao longe esteja tudo escurecido. E o meu amor nem reclama do nosso quintal.
Quintal de gente pobre, de gente comum, apenas com plantas, caqueiros, ervas medicinais, grilos cantando nos escondidos das ripas, chão de terra batida, uma cerca e um pomar. Talvez o pomar de apenas três árvores frutíferas seja a maior riqueza do lugar.
Mas não tem nada não, deixe ser assim mesmo, pois depois do escurecer do dia tudo ali se transforma num imenso salão, dependência de majestoso palácio para o seu rei e sua rainha, e tantos súditos que também somos de nós mesmos, eu e o meu amor. Quase toda noite é assim, uma soberana fantasia de felicidade real.
E ela chega perto de mim faceira, cheirosa, com flor no cabelo colhida ali mesmo. Digo que espere um pouquinho que vou buscar um presente, e então ergo as duas mãos para o alto e espalho a luz do luar mais belo no seu rosto trigueiro, na sua face de princesa minha, verdadeira rainha.
Sei que meu amor me ama tanto pelo olhar verdadeiro que me olha, pela palavra sincera que tem, pelo beijo ardente que possui, pela entrega absoluta que some dentro de mim. Mas nada disso se compara à certeza de morar em seu coração singelo e amorosamente tão verdadeiro.
Meu amor tem uma palavra bonita que só gosto de ouvir baixinho. Ela chega pertinho de mim e me chama meu nêgo. Mas não é só uma palavra, uma pronúncia, um dizer, uma expressão carinhosa para ativar sentimento. Não, disso sei bem.
Ela me chama assim porque sou assim aos seus olhos, e ser seu nêgo significa ser tudo na vida, como uma posse que ela não permite que o destino nem outra lhe tire. Quando me chama assim respondo também com a palavra que ela mais gosta de ouvir.
E é qualquer palavra, pois nunca tenho tempo de pronunciá-la completamente. Antes que fale o que quero uma boca me invade num beijo de doma. E nesse toque, depois de domado, tudo se permite ser amor. E talvez seja essa palavra que sempre quero dizer: amor.
Mas hoje ela não está aqui. Ela ainda não veio para a valsa da noite. E a saudade é tão grande que pareço ouvir uma valsa ao longe, com sons de porta que se abre e passos que caminham.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: