SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 27 de junho de 2012

UMA SAUDADE BOA (Crônica)


                                     Rangel Alves da Costa*


Juro por Deus que estava com uma saudade danada de escrever. Sempre obediente à expressão “nenhum dia sem uma linha”, já me sentia agoniado por não poder sentar e dizer na escrita alguns segredos de vento.
Não há coisa mais cativante do que escrever sobre segredos de vento. Por mais que queira ser cuidadoso na palavra, ter comedimento para não dizer demais, mas não tem jeito. Todo segredo de vento gosta de ser espalhado, sair esvoaçando, passando de janela em janela, fazendo festa sem pensar nas consequências.
Mas segredo de vento é perigoso demais de se escrever. A moça triste que lê uma crônica triste tende a entristecer mais ainda. O cronista espalha na ventania precisamente aquilo que lhe aflige, lhe causa agonia e traz uma enxurrada de relembranças e angústias de desamor. Certa feita uma quis se jogar da janela, coisa de metro até o chão, por causa de um segredo de vento.
Que me perdoe a mocinha triste na janela ou a velha senhora na sua solidão de mais de mil anos, mas não sei fazer outra coisa senão escrever. E quando acordo sem motivação então é como se o dia não tivesse qualquer significado, como se as horas passando fossem apenas minutos martelando minha momentânea incapacidade de pontuar a vida. Por isso espero sempre que desperte em mim a saudade da letra com seu destino e sina. 
Gosto de ter essa saudade boa. Costume desde menino, gosto muito mais de conversar com as letras, as palavras, os enredos e tramas, do que mesmo com certas pessoas. Minha amiga palavra não me nega afeto nem carinho. E o melhor de tudo: sempre verdadeira sem machucar. Também não falseia nem mente, para verdadeiramente machucar.
O problema que sempre surge é a motivação pra escrita. Quer dizer, a primeira palavra deverá ser seguida de uma ideia, de algo que se quer expressar. E talvez nesses dois últimos dias nada escrevi por causa dessa ideia. Não queria escrever sobre nada triste. Talvez estivesse pensando naquela mocinha da janela.
Não que eu estivesse entristecido, melancólico, angustiado. Nada disso. Mas é que me deixo levar muito pelo clima que faz, pelo tempo chuvoso ou não, para expressar sentimentos. E se chove lá fora fico molhado por dentro, sentimentalista demais. E por aqui tem chovido muito, tem apagado fogueira, tem deixado as bandeirolas que ainda restam respingando aflitas. Gostariam de estar dançando ao vento, bem sei.
Mas hoje sentei por aqui para acabar de vez com essa saudade. Por ser boa demais a saudade, não posso ficar distante da minha página em branco e de uma ideia qualquer que forço surgir. Muitas vezes nem precisa ser assim. Logo cedinho, coisa de quatro ou cinco horas da manhã, e já me vejo atormentado com tanta coisa querendo sair da mente e ser fixada na folha. E, de repente, o fruto nascendo em palavras.
Contudo, não posso negar que o segredo de vento de hoje talvez não seja muito bom para ser lido por aquela mocinha da janela. Fiz tudo para não ser assim. Pensei em escrever sobre os deuses que somos, sobre os imortais que queremos ser, ou ainda sobre a vida como um grande espelho, mas a oscilação nas ideias culminou com a lembrança de uma historinha que vou contar agora.
Era uma vez, num lugar tão longe e tão perto, uma mocinha que vivia triste e que se entristecia mais ainda quando se debruçava no umbral de sua janela. Um dia avistou uma folhinha seca ao longe, bem lá no alto, trazida pelo vento em sua direção. Acompanhando seu passo de voo, logo os seus olhos pareciam cheios de pingos d’água. Nublados, nem viu quando a folhinha veio solenemente dançando, passou por cima de sua cabeça e foi fazer pouso na cama.
Como estava entristecida demais, cheia de recordações dolorosas, jogou-se na cama para prantear melhor entre os panos. E chorou de adormecer. E adormecida sonhou que havia recebido uma carta de amor numa folha. Quando acordou e encontrou a folhinha ao lado, surpreendentemente não se espantou.
Pegou uma caneta e escreveu na folhinha e levou-a em direção à janela. E a ventania foi levando “Meu voo será no passo. Me solto do laço, dessa lágrima desfaço, e buscarei da vida o abraço, e o amor construído em compasso...”.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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