Rangel Alves da Costa*
Injustiça é conceito que não se contrapõe apenas ao justo ou ideia de justiça. Também não é somente a ação contrária ao direito para privilegiar determinada situação. É muito mais que isso e envolve situações rotineiras que de repente surgem como espanto.
Há um Decálogo da Injustiça e este diz: “1. Não se preocupar com o problema social; 2. Guardar para si o supérfluo; 3. Não tomar conhecimento das causas dos males humanos; 4. Ridicularizar os que se dedicam a esses problemas; 5. Explorar a miséria e a necessidade alheias; 6. Custar a pagar o que se deve ou nunca pagar; 7. Guardar por muito tempo ou mesmo esquecer de devolver objetos emprestados; 8. Por medo, timidez ou orgulho calar-se em vez de dizer a verdade; 9. Atribuir às leis econômicas os males, devido à própria incúria ou ambição; 10. Considerar como definitivos todos os privilégios; defendê-los, mesmo em detrimento da justiça” (LONGHI, A. J. Livro dos Decálogos).
Como observado, a noção de injustiça envolve uma série de fatores, principalmente de ordem moral interior. Contudo, é no exterior, perante as relações e as situações sociais, que ela possui maior visibilidade e, por estar tão presente a todo momento, vai se tornando apenas como uma espécie de indignação que tende a ser prematuramente esquecida.
Assim, injustiças são também as aberrações do dia a dia que surgem como indignação e se transformam apenas em aceitação. Não deveria ser assim vez que geralmente conflitantes com os direitos de cada um, verdadeira afronta aos princípios morais e éticos. Mas pela normalidade que acontecem, com poucas vozes se contrapondo ou até se revoltando, acabam se tornando em cultura perniciosa e responsável pelas disparidades que se alastram.
Ora, mesmo que passivamente haja aceitação, não há como não ver injustiça social na distribuição de renda, na vergonhosa diferenciação de salários recebidos por determinadas classes, nos privilégios infames que a muitos são concedidos. É injusto que seja imposto um salário mínimo de miséria ao trabalhador, enquanto que o mesmo governante promove um festim de cargos comissionados com salários exorbitantes.
Do mesmo modo, também é injusto que o assalariado trabalhe tanto para receber sua esmola, enquanto o outro jamais soube onde fica o órgão ao qual está vinculado e só tenha o trabalho de todo mês verificar quando foi depositado na sua conta bancária. Uma classe recebe até o décimo terceiro salário, enquanto outras recebem não só até o décimo quinto como outros prêmios, bonificações, ajudas de custo, salários mordomia e outros salários que nem sabem de onde saem.
Uma deslavada injustiça é o que acontece com os salários de determinados jogadores de futebol. Soa como verdadeiro absurdo que num país de tantos miseráveis, de pessoas que trabalham de sol a sol para ganhar vintém, um jogador receber quinhentos ou mais de seiscentos mil por mês, fora direito de imagem e outros benefícios. E porque nem sabem o que fazer com tanto dinheiro injustamente recebido é que começam a fazer besteiras, se envolver com prostitutas que se dizem modelos, viver de orgias, fechando boates, sustentando o mundo do crime.
Injustiça maior é saber que a Justiça muitas vezes está atrelada ou a serviço do crime, da bandidagem, do poderio econômico, da força criminosa que se alastra pelos poderes e escritórios, vendendo sentenças, modificando a lei para favorecer poderosos, tornando o judiciário num verdadeiro balcão de negócios. E mais injustiças ainda fazem alguns bandidos de toga que se arvoram da função jurisdicional que possuem para o endeusamento, a infalibilidade, o mando a todo custo. Muitas vezes são mais bandidos do que aquele suspeito que vá apodrecer atrás das grades.
Ora, as injustiças são tantas dentro da própria justiça que só mesmo a simbologia das palavras para afastar um pouco sua vergonhosa proliferação. Neste sentido a indagação espantosa de Aristóteles: “Haverá flagelo mais terrível do que a injustiça de armas na mão?”.
Poeta e cronista
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