SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 21 de junho de 2012

SAIR POR ESSA VIDA AVENTUREIRA (Crônica)

                          
                                           Rangel Alves da Costa*


Lembro de você toda vez que ouço a música Toada, com Cláudio Nucci ou Boca Livre. Aquela mesma que diz:
“Vem morena ouvir comigo essa cantiga/ Sair por essa vida aventureira/ Tanta toada eu trago na viola/ Pra ver você mais feliz/ Escuta o trem de ferro alegre a cantar/ Na reta da chegada pra descansar/ No coração sereno da toada, bem querer/ Tanta saudade eu já senti, morena/ Mas foi coisa tão bonita/ Da vida, nunca vou me arrepender/ Morena ouve comigo essa cantiga/ Sair por essa vida aventureira/ Tanta toada eu trago na viola/ Pra ver você mais feliz/ Escuta o trem de ferro alegre a cantar/ Na reta da chegada pra descansar/ No coração sereno da toada, bem querer...”
É como se eu segurasse na sua mão e mostrasse a estrada adiante. Já fiz isso muitas vezes, mas tive de partir sozinho. Ao menos imaginei que parti.
Como diz a outra música, nossa linda juventude, página de um livro bom. E tento reler ainda sem sofrer demais de saudade. Página já rasgada, já solta no tempo, já perdida no mundo, já levada no vento.
Nossa linda juventude, nunca mais esquecerei. Sem o ideário hippie, sem o esvoaçante pensar do jovem, ainda assim não há como esquecer a roupa descuidada, folgada, da calça jeans desbotada, da camiseta anarquista, do cabelo ondulado e crescido demais.
Um dia sonhei em segurar sua mão e partir. Sei que me acompanharia se soubesse a direção. O problema é que só tinha a estrada, só possuía o chão e os pés por cima dele, mas sem destino, sem lugar pra chegar, sem porta alguma que pudesse bater.
Na mochila o sonho, o caderno de poesia, o livro de Neruda, o mundo retorcido de um certo eu. Ou de nós, com nossa voz embrulhada em papel jornal e doida pra sair pelo mundo afora gritando palavras de ordem contra a solidão, o desamor, a tristeza. Somente a felicidade, a busca da paz, um amanhã e um sol.
O sonho de viagem eterna, de liberdade sempre, não passava da reafirmação de que o homem não nasceu para viver entre quatro paredes, dentro de uma casa ou de qualquer coisa que implica em porta ou em tranca. Ser livre por natureza, era no meio do mundo, embaixo do tempo, caminhando sempre, que o destino seria cumprido.
E nas distâncias do mundo, no doce percurso da vida aventureira, dois seres num só sem medo de nada. Bastaria a certeza de estar juntos, a força da mão segurando na mão, o mesmo passo na mesma direção, o compromisso apenas com o chegar. Mas onde?
Pouco importa aonde chegar se o amanhã ainda será construído. Quem caminha atrás de um número na porta esquece que a casa do homem é na estrada, na contínua busca por outras estradas. E outras estradas que nunca terão fim, pois parar para descansar não significa ficar.
Meu sonho era esse, meu amor, era sair por aí com você de mãos dadas, seguindo adiante na aventura da existência. Jovens, sadios, cansados da mesmice da realidade, não havia saída senão abrir a porteira levando somente a mochila nas costas.
Mas quando arrumei o embornal, guardei dentro meu Neruda e meu caderno de poesias, você disse que sua calça jeans estava suja demais para enfrentar o mundo. Eu disse que daria a minha e seguiria nu. Mas você não aceitou. Disse que seu cabelo estava curto demais para ser espalhado pelo vento. Eu disse que sopraria pertinho. Mas você não aceitou.
Quando saí porta afora você apenas lançou o olhar; quando caminhei pela rua você foi até o jardim se entristecer com uma flor; quando virei a curva da estrada você estava chorando. Não podia ver, mas sabia. Eu também chorava.
Mas não podia voltar, como não voltei. Jamais voltei. Jamais pensei em voltar. Caminhei sempre adiante, seguindo em frente sem olhar pra trás. Mas no dia que olhei encontrei você.
Percebi que não havia saído do lugar. Saí de casa, caminhei, enfrentei destino, mas não consegui sair do lugar. Sonhei viajar, sonhei voar, sonhei com a liberdade de outras paisagens. Mas por amor jamais saí do lugar.
E cada vez que te beijo, abraço, faço um carinho, é como se estivesse saindo por essa vida aventureira.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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