Rangel Alves da Costa*
Diante da nova situação da mataria, agora verdejante e fechada, certamente não saberia seguir qualquer caminho certo. Onde antes era vereda, passagem aberta, estava o mato querendo encobrir tudo.
Diante disso, seguia apenas o cachorro, porém já imaginando onde poderia chegar, vez que o animal não saía mais de perto da sepultura do seu amiguinho. E foi pra lá mesmo onde foi levada. Ou quase.
Quase porque no lugar onde deveria estar a sepultura, o monte de terra verdejante e florido, não havia mais nada. Estranhando demais essa inconcebível visão, Crisosta se esforçou ao máximo para ter certeza que não havia chegado ao lugar errado.
Olhou ao redor, caminhou por ali, e mesmo que a tempestade houvesse transformado completamente a paisagem, não havia dúvida de que tinha de ser ali mesmo. O próprio cachorro era prova disso, pois ninguém mais do que ele conhecia tão bem a localização.
O lugar era aquele mesmo, não podia ser outro. Contudo, nada do montinho de terra definindo bem o local da cova. Agora só o chão recoberto de baixa vegetação, formando como um gramado mal cuidado por toda a clareira. Realmente era como se jamais qualquer pedaço de terra fosse removido para se tornar sepultura.
Imaginou que a força da chuva formando enxurradas e corredeiras talvez pudesse ter destruído o montinho de areia e levado tudo. Mas se isso tivesse acontecido as marcas teriam ficado ao redor. E ali não havia nada disso, absolutamente nada que sinalizasse uma mudança brusca na situação do terreno.
Ficou mais de meia hora tentando compreender como aquilo tinha acontecido. Por vezes imaginou que a terra pudesse ter sido levada mas os restos mortais continuavam logo ali abaixo enterrados. Mas também não havia como ser assim. Tudo era normal demais, estando o local com a mesma feição de tudo ao redor.
Voltou pensativa e amedrontada pelo que pudesse ter ocorrido. Não medo de nada que se relacione a morte, cova, defunto, alma do outro mundo. Nada disso. Apenas o medo da destinação tomada pelos restos do menino e de forma tão estranhamente inexplicável. E também a tristeza por não ter mais onde encontrar o local para afastar as saudades do amiguinho.
No retorno compreendeu os motivos da aflição do cachorro. Não havia mais nenhum sinal do seu dono ali, tudo repentinamente havia sumido. E se foi desejo divino que assim acontecesse, então não restaria outra coisa senão continuar rezando por sua alma onde estivesse.
Tal episódio foi capaz de lhe ativar a mente por uns dois dias. Despertou, voltou a si, procurou reencontrar-se. Organizou a casa, se avistou no espelho, vestiu roupa decente, ajeitou o cabelo, chegou a dar um sorriso quando encontrou uma florzinha à sua porta. Coisa de vento, pensou.
E recolheu a pequena flor do campo para colocar no umbral da janela. E fez isso porque cismou de mudar a velha cadeira de balanço para o lado da janela, local onde podia sentar e avistar tudo ali fora, ao redor e mais adiante. Sentou e ficou mirando a florzinha, pensando, pensando...
A cena com a mocinha sentada na cadeira e olhando o mundo pela janela poderia ser transformada numa fotografia triste e dolorosa. Como de fato se transformou. Ao colocar a cadeira ali, bem defronte ao nada acontecendo diante de si, nem pensou que talvez estivesse plantando aquilo que procuraria acompanhá-la pelo resto de sua vida: a tristeza, o silêncio e a solidão.
A intenção foi boa, foi das melhores. Ao invés de estar andando de canto a outro em busca de nada, pois nada de novo acontecia, simplesmente ficaria sentada no seu canto, como sua mãe sempre fazia. Mas não sabia que o olhar quando se perde adiante vai encontrando somente saudades, lembranças, recordações. E tudo tão doloroso.
Por vezes ficava o dia inteirinho ali, e cada vez mais pensativa, mais triste. Nem se encorajava de sair lá fora para ver o que havia surgido bem debaixo do velho carro de boi. Aquele mesmo onde um dia encontrou uma cama de chão e uma baleadeira esquecida.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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