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terça-feira, 12 de junho de 2012

A CAMPAINHA (Crônica)


                                               Rangel Alves da Costa*


Achava a maior chateação do mundo quando estudantes passavam diante do seu portão e tocavam a campainha. Xingava, esculhambava, dizia que ia prestar queixa à polícia, que ia diretamente perante a diretoria da escola reclamar, mas não tinha jeito. No outro dia toques e mais toques, e a mesma meninada.
Algum tempo depois começou a acordar assustada ao ouvir tocarem na campainha em plena madrugada. Muitas vezes duas, três horas e aquele som terrível tomava conta da sala, corria pela casa e entrava no quarto onde dormia. Levantava apavorada, sempre pensando em coisa ruim, seguia até a cortina, olhava de soslaio e não avistava ninguém.
Os estudantes continuavam importunando, porém muito mais aqueles toques na madrugada ou quando o dia já começava a clarear. Conhecia os meninos, sabia a hora que costumavam passar, contudo jamais havia visto um só rosto daqueles que escolhiam a madrugada para importunar sua vida.
Depois de uma noite mal dormida, repleta de chateação e sustos, vez que tocaram a campânula por quatro ou cinco vezes, assim que o dia clareou procurou a escada e veio com ela em direção à sala, local onde estava fixado o dispositivo que não suportava mais. Lá em cima, de alicate à mão, cortou um dos fios e se deu por satisfeita. Por mais que tocassem não conseguiriam aborrecê-la mais. Pensou.
Ao entardecer, deu um leve sorriso só de lembrar que a partir daquele dia os meninos é que seriam enganados ao achar que a campainha soaria lá dentro. Que tocassem sempre, que tocassem mais, pois estaria livre de aborrecimentos. Contudo, para extremo espanto seu, num momento em que os estudantes costumavam traquinar, pareceu ouvir um som sendo emitido da sala onde estava o mecanismo desligado.
Não pode ser. Pensou assustada. Isso não pode ter acontecido porque cortei um dos fios que permitia o funcionamento. Insistiu no pensamento. Contudo, para se certificar que não havia nada errado lá em cima, pegou novamente a escada, abriu a caixa do dispositivo, dessa vez cortou os dois fios e até deixou o local sem o pequeno aparelho.
Com a nova providência, colocou na cabeça que dali em diante estaria livre de vez daqueles barulhos inoportunos, chatos demais e até assustadores. Deitou tranqüila e pronta para um sono mais tranqüilo ainda, vez que daquela vez não haveria o barulho surgindo madrugada adentro. Mas às duas da madrugada ouviu um, depois outro toque. Não pôde acreditar no que ouviu, mas depois se acalmou por achar que o costume havia produzido aquele som na sua mente.
Adormeceu novamente, mas não por muito tempo. Uma hora depois ouviu novamente a campainha disparar diversas vezes. Pulou da cama, foi até a sala, olhou bem para o local onde ficava a campânula e teve a certeza que o lugar estava mais limpo. Mas ora, se não havia mais campainha porque ouvia nitidamente o som dela tocando?
Procurou se acalmar e colocar na consciência que aqueles sons não existiam de verdade, que eram apenas ecos que sua mente ainda os mantinha depositados depois de tantos aborrecimentos passados. Pensou tanto nisso que todas as vezes que parecia ouvir o som nem se incomodava mais. Pareceu enfim totalmente curada.
Semanas após foi convidada para um aniversário na casa de uma prima. Estava com uma taça de vinho na mão, já levando em direção à boca, quando teve a certeza que a campainha estava tocando. Como ninguém se manifestou, pensou que era ainda coisa de sua cabeça e tentou esquecer. Mas cinco minutos após e começa a ouvir novos sons, novos toques, bem altos. E ouviu também vozes dizendo que a campainha estava tocando.
De repente, colocou às mãos na cabeça, rente aos ouvidos, começou a gritar e em seguida procurou copos, bandejas e garrafas e começou a jogar em todo mundo. E gritando cada vez mais alto, dizia que todos ali estavam com perseguições, querendo matá-la, deixá-la completamente louca. E saiu da festa amarrada, levada de ambulância para um centro psiquiátrico.
Fez tratamento durante dois meses e o médico resolveu a situação afirmando que ela havia sido acometida de um grande trauma, mas com o trabalho mental realizado podia aceitar sons de qualquer campainha e a qualquer hora do dia. Por isso mesmo já podia se considerar completamente curada. Mas assim que ia estendendo a mão para se despedir da mulher, eis que o seu bip dispara.
A maluca, doida, transtornada da campainha avançou em cima dele de tal modo que o deixou todo moído de tantos sopapos. E dessa vez não teve mais jeito. De tão furiosa que estava foi conduzida para uma solitária. Daí em diante remédio não adiantava mais, muito menos consultas e tratamentos com choques.
Ela só sentia bem, ficava mansa e calminha, quando tocavam a campainha que foi instalada no seu quartinho de hospício.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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