Rangel Alves da Costa*
Depois de muitos meses ensolarados, de intenso calor, desde alguns dias que começou a chover por aqui. Com as chuvas - que se tornaram constantes -, o clima tornou-se ameno, muito mais refrescante.
Contudo, o melhor disso tudo é que quando chove pela manhã e a tarde fica com templo nublado, assim que cai o anoitecer começa uma sensação gostosa, um friozinho que só deseja abraço.
Fico pensando nos tantos abraços dados do lado de dentro das portas e janelas fechadas, por cima dos sofás, por cima das camas, em qualquer lugar. Mas certamente não será pelo friozinho que faz lá fora. E sim pelo desejo que surge lá dentro.
Fico imaginando quantos não se utilizam desse friozinho como motivo para reclamar do corpo levemente estremecendo, para chegar mais pertinho da pessoa pretendida, para implorar um aconchego, sussurrar um pouquinho de calor, dizer que precisa de um abraço. E abraço apertado.
Fico matutando sobre os cobertores que encobrem tantos corpos solitários, quantos casacos tentam esquentar no corpo aquilo que não depende de panos para se aquecer. Os braços cruzados rente aos seios, as mãos se apertando com força, a boca trêmula pedindo uma bebida quente. Mas sorvida no copo ou xícara derramada de outra boca.
Um vento gelado passeando pela noite, caminhando pelas ruas, subindo e descendo as ladeiras dos sonhos, carências, desejos, sofrimentos pela solidão. E vai entrando pelas frestas das portas e janelas, avançando sobre os corpos, tornando-os tão nus. Nada parece vestir diante do frio. Tudo parece por cima da pele, invadindo o corpo, tomando, domando.
E correm a fechar as portas e janelas acaso abertas, se apressam a abrir guarda-roupas em busca de agasalhos, procuram esquentar café, abrir um vinho, olhar se no armário sobrou alguma bebida de mais efeito. E desligam ar-condicionado, ventilador, pensam em acender a lareira que nunca existiu.
Somente quando colocam uma música na vitrola é que começam a perceber que aquele friozinho não passará com nada daquilo que já foi tentado. Ora, é frio que requer, deseja, pede abraço, pede para estar perto do outro, pede para serem colocados entre os braços, pede para ser beijados, acariciados, soprados no calor que tomará conta de tudo.
Penso tudo isso pensando nos outros. No meio da rua, olhando pra lua, o friozinho continua tomando conta de mim. Não quero casaco nem cobertor, nem quero entrar em casa nem beber qualquer coisa, não pretendo fazer nada para espantar essa gelidez tomando conta do meu ser e não ser.
Igual ao pecador arrependido que desnudo caminha sobre a neve para espiar seus erros, não posso reclamar desse momento de friagem. Ora, o que fiz do amor, do querer, da esperança, do compartilhamento que não permiti! Alguém que também sente frio já procurou os meus braços e neguei.
E fez mais, humildemente fez mais. Pediu-me apenas um pouco de calor e não dei, implorou por um abraço e disse que não, quis apenas estar perto de mim e saí do lugar. Quis experimentar do calor do meu corpo e eu disse que já não estava. Esse alguém continua com frio, e eu também. Mas que egoísmo insano esse de se achar o Deus da natureza humana!
O tempo vai passando e o frio aumentando. Por aqui sempre acontece de as madrugadas serem congeladas em épocas assim. Tem gente que nem sente, tem gente cuja nudez vai suando enquanto outros se recobrem de solidão. Nunca caminhei tão distante quanto irei caminhar nessa noite e envolto em uma nevasca de espantar esquimó.
O frio me tomará totalmente e completamente nu apagarei a vela para não enxergar o iceberg que se aproxima. Ah, que sofrimento afligindo quem rasgou o cobertor do amor. Mas juro que não sabia que a solidão possuía lanças pontiagudas e congeladas assim.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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