Rangel Alves da Costa*
Festa junina de verdade, daquelas onde a tradição é mantida a todo custo – e não são poucos os modismos que tentam descaracterizá-la -, exige todo um ritual para que os três santos do mês, Santo Antonio, São João e São Pedro, sejam celebrados com máxima devoção e beleza.
Tem gente que aproveita o mês para colocar em prática seus planos casamenteiros, pois pede namorado a Santo Antonio, espera pular a fogueira de mãos dadas no São João, e já firma compromisso sério com as bençãos de São Pedro. Mas é no São João que a animação é maior, o povo se prepara com maior disposição para comemorar.
Principalmente na região nordestina, terra de tradição festeira, ao chegar os dias 23 e 24 de junho, e mesmo antes disso, e os forrós se espalham em cada canto, as fogueiras crepitam, os fogos sobem no ar, as maravilhosas e deliciosas comidas passam a exalar um cheiro estonteantemente bom de milho, coco, assados e bebidas artesanalmente preparadas.
Nos dois principais dias festivos, geralmente os mais jovens de cidadezinhas interioranas se paramentam com roupas coloridas, colocam chapéus de palha na cabeça e saem atrás do som de qualquer sanfona. Os salões se enchem, o rala-coxa come solte, os corpos se grudam e é remelexo pra não mais acabar. Um festeirão danado.
Toinho, especialmente este verdadeiro e orgulhoso matuto, esperou aflito para o mês junino chegar. Nos seus planos, assim que o São João soltasse o primeiro rojão começaria os preparativos para conquistar o grande amor de sua vida, a bela Lurdinha, uma fogosinha sertaneja que sempre o desesperançava.
Toinho quis ser o mais bonito do mês, o mais arrumado, o mais autêntico. Um caipira novo por cima de um caipira de sempre. Sua verdadeira intenção era fazer de um tudo para impressionar a difícil fêmea brejeira. Daí que logo deu início à arrumação do guarda-roupa. Comprou calça jeans, camisa à moda junina, com quadradinhos coloridos no seu modelo.
E fez mais. Providenciou chapéu de palha, botina de couro cru, perfume mais que cheiroso. Não esqueceu espelho e pente de bolso, e até carteira nova e cinto brilhoso comprou. E se olhou no espelho para ver como ficava e quase se beija de tanta lindeza que se achou.
Contudo, logo começou a imaginar que a sua belezura toda podia não adiantar se a danada da Lurdinha nem lhe esticasse o canto do olho. Então resolveu vender duas galinhas poedeiras e correu até a casa de sua tia solteirona para pedir que lhe prestasse um favor. E disse o queria: quatro metros de pano florido, ou quanto o dinheiro desse, de modo que ficasse perfeito num vestido rodado.
Tudo comprado, em seguida pediu ainda a empozada para escrever um bilhetinho com as palavras que ia dizer. E disse: Lurdinha, quero ver você toda bonita com roupa rodada e cheia de chita, que é pra gente se encontrar e você se admirar com a belezura desse pobre matuto que tanto ama. Espero que São João comece a esquentar nosso namoro pertinho duma fogueira.
Como Lurdinha de besta não tinha nada, não se deixava levar por lembrancinhas ou presentinhos, apenas aceitou a oferta sem dar maiores esperanças. Até respondeu de boca que mandaria fazer o vestido e usaria, porém sem ter a certeza que pularia a fogueira de mãos dadas com o apaixonado, pois tinha um medo danado de chegar perto de fogueira e queimar seu coraçãozinho.
Na véspera da festa maior, mas que é quando o festejo tem mais vigor, Toinho se enfeitou todo e saiu se achando um verdadeiro príncipe em busca de sua princesa. Caminhou de fogueira em fogueira procurando sua amada e nada de encontrá-la. Mas se a avistasse nem perceberia se era ela, de tão bonita e faceira que estava. Resolveu procurar nos salões de forró e no primeiro que entrou avistou uma flor matuta dançando de se acabar, agarradinha com outro. Depois de tanto olhar percebeu de quem se tratava: seu amor nos braços de outro.
Correu desesperado pra fora do salão, decidido a se jogar na primeira fogueira que encontrasse. E logo surgiu em sua frente a maior de todas, crepitando debaixo de mil troncos secos. Entristecido, chorou se despedindo da vida e dizendo que era melhor morrer feito um sabugo de milho queimado do que vê-la com outro.
Já ia afastando-se para voltar num mergulho, quando viu uma roupa sendo jogada dentro das chamas. Olhou assustado e viu que era Lurdinha ali em pé, do outro lado, agora só de calcinha e sutiã, dizendo que não merecia usar vestido tão bonito se havia sido injusta com quem a havia presenteado.
E depois, assim quase nua, foi em direção a Toinho e perguntou-lhe se sabia como fazer juramento de amor diante da fogueira de São João. E ele ensinou-a jurando o seu amor.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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