*Rangel Alves da
Costa
Alguém já disse
que o passado é o novelo de linha que carregamos à mão, caminhando sem perder a
ligação com o ontem. E muitas vezes nos dá vontade de puxar essa linha e com
ela trazer aquele carrinho de brinquedo cheio das coisas boas vivenciadas.
Ali a criança,
ali o adolescente, ali o estudante, ali o sonhador, ali o homem já feito. E se
tudo ali foi importante demais, e onde quase tudo foi vivido e feito, então o
que restaria do homem de agora? Talvez a saudade, a lembrança e a recordação,
mas também o construir para a memória de amanhã.
Duas canções,
dentre tantas outras, exemplificam a necessidade que o ser humano possui de
reviver seu passado, de querer voltar no tempo para viver novamente momentos
bons e inesquecíveis. A primeira é “Rua Ramalhete”, de Tavito e Ney Azambuja, e
a segunda “Meus Tempos de Criança”, de Ataulfo Alves:
“Sem querer fui
me lembrar/ De uma rua e seus ramalhetes/ O amor anotado em bilhetes/ Daquelas
tardes/ No muro do Sacré-Coeur/ De uniforme e olhar de rapina/ Nossos bailes no
clube da esquina/ Quanta saudade!/ Muito prazer, vamos dançar/ Que eu vou falar
no seu ouvido/ Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido/ Vamos deixar
tudo rolar/ E o som dos Beatles na vitrola/ Será que algum dia eles vêm aí/ Cantar
as canções que a gente quer ouvir?”.
“Eu daria tudo
que eu tivesse/ Pra voltar aos dias de criança/ Eu não sei pra que que a gente
cresce/ Se não sai da gente essa lembrança/ Aos domingos, missa na matriz/ Da
cidadezinha onde eu nasci/ Ai, meu Deus, eu era tão feliz/ No meu pequenino
Miraí/ Que saudade da professorinha/ Que me ensinou o beabá/ Onde andará
Mariazinha/ Meu primeiro amor, onde andará?/ Eu igual a toda meninada/ Quanta
travessura que eu fazia/ Jogo de botões sobre a calçada/ Eu era feliz e não
sabia”.
Não só a partir
das letras citadas, mas por uma série de fatores, se constata que o passado
está mais presente no consciente das pessoas do que qualquer um possa imaginar.
Por mais que muitos tentem apagar a memória do que passou, principalmente
daquilo que surge como amargura ou sofrimento, verdade é que buscam nos tempos
idos o amparo para atuais motivos de alegria.
Ora, o passado é
a história da própria vida, a construção da identidade, a formação de uma teia
de relacionamentos que possuem continuidade. Ademais, por mais que fujam das
relembranças, nada pode apagar completamente as realizações e as vivências de
outros tempos. Desde o nome e sobrenome, que é uma junção da linhagem familiar,
até as conquistas na vida, tudo é passado. Neste sentido, o passado constrói o
futuro.
Verdade é que ninguém
pode dizer que não se lembra dos tempos de criança, das tantas brincadeiras e
meninices, das peraltices que fazia prendendo latas no rabo dos gatos ou
pulando a cerca do vizinho para saborear a fruta mais madura. Do mesmo modo
ninguém se esquece da adolescência, do primeiro amor, das primeiras paixões,
dos planos feitos e dos sonhos surgidos.
Aquela rua onde
se morou por tanto tempo, a menina bonita que morava numa casa mais adiante, a
velha professora que reclamava de tudo, a vizinha que não fazia outra coisa
senão fofocar, a bola quebrando a vidraça, a primeira vez que beijou uma boca e
também a primeira vez que se entristeceu pela sede de beijo que sentiu. Tudo
isso é passado, chegando sempre como um tempo bom que dá vontade de retornar.
Se as pessoas
não vivessem envoltas no passado não haveria motivos para as boas e doces
lembranças, para as recordações afetivas, para as relembranças daquilo que
poderia ser feito de forma muito diferente. As memórias e reminiscências se
tornam, assim, o elo entre o agora sentimental e o ontem valioso demais na
vida. E não há como caminhar, seguir em frente, sem ter de olhar pra trás e
buscar nas realizações os exemplos encorajadores para o passo seguinte.
Contudo, não é
somente o passado pessoalmente vivido que povoa a mente de recordações. Eis que
o ser humano vive envolto em recordações de outros tempos onde as praças eram
lugares de encontro de amigos, famílias e apaixonados; os cinemas anunciavam em
grandes letreiros os sucessos cinematográficos; os meninos passavam anunciando
as manchetes dos jornais e outros com tabuleiro de doces para todos os gostos;
o leite chegava cedinho à porta, o padeiro era amigo e confidente, o velho
sentado no banco da praça era o sábio das grandes lições.
Havia um tempo
de pouca violência, de escândalos pontualmente retumbantes, das cantoras do
rádio, do futebol como paixão e arte, de cidades grandes com aspectos
interioranos, do rádio como amigo inseparável, dos bolinhos do céu na casa da
vovó, dos amigos sentados nas calçadas para falar sobre coisas amenas.
E é esse tempo
que dá saudade, principalmente nesses tempos de tantos contratempos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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