*Rangel Alves da Costa
Neste momento estou em Poço Redondo, no
sertão sergipano. Aqui, sem qualquer dúvida, o retrato mais expressivo do ser e
do viver sertanejo. Mas não estou a passeio nem sou visitante ocasional, pois
nasci aqui e até os onze anos por aqui permaneci como um calango na sua terra.
Mas não abdiquei do berço de nascimento. Todos os finais de semana eu risco no
seu chão como um alazão que chega afoito por mais viver.
É momento de entardecer sertanejo. Já é boca
da noite, como se diz por aqui. E é na boca da noite que as cozinhas espalham
os aromas de cuscuz, de tripa de porco, de toucinho, de carne seca, de ovos de
capoeira, de café torrado ou empacotado. A mesma logo será posta, o menino
mastigará o seu pão, a dona de casa se dará por satisfeita se a comida
disponível deu ao menos para enganar a fome. Depois disso a noite cai de vez, a
lua se faz maior e mais brilhosa, os noturnos se perfazem na singeleza
sertaneja.
Sou conhecedor e admirador de tudo isso.
Contudo, mesmo sentido perto de mim todo esse encantamento da chegada da boca
da noite, algo me leva ainda mais longe ou mesmo pelos arredores de onde estou.
Logo ali já é mato, já é a pequena propriedade, já é o casebre, já o sertão em
seu estado mais natural. E fico imaginando daqui a magia que é a chegada do
anoitecer naquelas localidades mais distantes e onde a noite praticamente
termina logo após o noturno café.
Talvez por que a vida dos sertanejos das
regiões mais afastadas seja mais cansativa pelos labores cotidianos debaixo do
sol, a verdade é que depois da janta já é chegada a hora de fechar as portas. E
nos tempos idos nenhuma porta era avistada aberta depois das sete da noite.
Quando muito, apenas alguns amigos em proseado numa malhada ou noutra, uma
mulher debulhando milho ou alguém dedilhando uma saudosa viola.
Atualmente, mesmo com as televisões já
estando presente mesmo na maioria dos casebres e casinhas de cipó e barro,
somente os mais jovens se demoram mais vendo novelas. O autêntico sertanejo
não. Avista, quando muito, o noticiário e já se dá por satisfeito. Depois vai
até o lado de fora acender seu cigarrinho de palha, avistar a lua grande,
meditar sobre a vida e sobre o mundo ao redor, tentar avistar nuvem de chuva,
mas nada disso por muito tempo. Não demora muito e já estará se recolhendo para
o adormecimento dos justos. Ora, antes mesmo de o galo cantar já estará
novamente em pé e pronto pra luta.
Nos tempos dos candeeiros – e sem geladeira,
televisão, eletrodomésticos – a singeleza da vida sertaneja era ainda maior.
Muitas vezes sem vizinhos por perto e com poucas palavras para serem
partilhadas entre os da casa, a noite fechava mesmo após a última xícara de
café. Quem passasse pelos arredores só avistava, quando muito, a luzinha fraca
e amarelada dos candeeiros e lamparinas pelas frestas da janela. E um pouco
mais tarde, como economia de gás, até mesmo as chamas eram apagadas. E o
silêncio e a escuridão sertaneja se abraçavam em terna e afetiva comunhão.
Lá fora, apenas um ou outro barulho fazendo
barulho, vaga-lumes passeando pelos arredores, açoites de vento trazendo
folhagens. Uma coruja pia, um grilo faz seu contínuo canto. Os sonhos navegam.
Os sonhos aportam e singram no mundo-sertão de secura e de sol afoito.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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