*Rangel Alves da Costa
Desnamorado
não significa ter deixado de namorar ou ter sido relegado por um coração
afoito. Não. Desnamorado significa não namorar mesmo, não dividir com ninguém
os cacos de um coração melancolicamente poeta.
Desnamorada
é a pedra que optou pela solidão debaixo da chuva e do sol. Desnamorado é o
mandacaru que se contenta estar de braços abertos perante os espaços. Desnamorada
é a noite solitária e só. Desnamorado é o tanque que secou de vez e outra coisa
não quer ser senão o barro.
Pois sou
assim, sou um desnamorado. E completamente desnamorado. A última vez que
namorei faz tanto tempo que foi Matusalém (aquele mesmo bíblico, de uma
infinidade de anos) quem primeiro me viu roubando um beijo.
Certa
feita, matuto até na alma, fui apresentado a uma menina e a deixei de namorar
por não saber o que era nem aonde ia o tal namoro. Emudecido sentei ao lado
dela num banco da praça, aos pés do Cruzeiro, e emudecido fiquei. Não sabia o
que dizer. Todo envergonhado, sequer atinei que bem poderia ir devagarzinho com
a mão e acarinhar a sua mão. Então ela, que não era besta quanto eu,
simplesmente levantou e foi embora sem olhar pra trás. E fiquei contando as
pedrinhas brancas tão fartas naqueles tempos.
Outra vez,
beijei uma boca com gosto de bolacha Maria e recuei na hora. Ainda hoje sinto
asco e repulsa quando me lembro. Jurei nunca mais beijar. E jura que prevalece
até hoje. Sinceramente, não sei nem como funciona um beijo de língua, um
arranca-tudo ou carícia no lábio.
Nunca fui
de escrever pequenos poemas e bilhetes para encantar corações. Não gosto de
amor rimado, previsível demais, adocicado demais. Mas já recebi muito
“batatinha quando nasci esparrama pelo chão, Rangel (ou Delzinho) quando se
deita bota a mão no coração...”. Deus me livre de namorar uma assim. Dava
vontade de responder: “vou ali, volto já, vou buscar maracujá...”.
Uma vez,
num desses namoros de Festa de Agosto, uma menina me fez sentir um calor tão
grande que pensei incendiar. Atrevida demais para a minha timidez matuta,
puxou-me para um canto e avançou de vez. Acho que perdi os sentidos. Não lembro
bem o que aconteceu depois disso. Melhor deixar isso pra lá, né? Tempo bom
danado, e ai como dói recordar.
Mas quase
sempre sendo filho de prefeito, todo arrumado, cheio de importância sem ter,
então menina chovia mais que pingo d’água no sertão. Bonito de verdade eu nunca
fui, mas de beleza forjada no que eu era naqueles tempos. Hoje sou
completamente feio (ora, não posso pensar diferente, pois nenhuma mocinha
sequer olhar pra mim).
Sim, mas
depois disso até que experimentei coisa mais séria. Com diz a música cantada
por Martinho da Vila, já tive mulheres de todas as cores, de todas as idades,
de muitos amores. Já experimentei cores e sabores diferenciados, já arrisquei
encontrar e muito já fui encontrado.
Já namorei
uma alagoana por doze ou treze anos. Já namorei com musas e deusas, com
monstros e assombrações. Já namorei mulher descasada e até casada. Convivi
pouco tempo com uma e algum tempo com outra. Mas nunca casei. E meu estado
civil até hoje é o de sempre: solteiro. Contudo, releva que agora eu me sinto
um verdadeiro desnamorado.
Talvez uma
mulher de barro ou uma desenhada em papel de pão, mas de carne e osso quero
mais não. A não ser que uma chegue e consiga me fazer retornar aos treze, quinze,
dezesseis anos: e coloque a minha cabeça no seu colo, me chame de seu menino, e
me mostre a real felicidade do amor. E eu preciso tanto.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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