Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Sertão que é sertão respeita sua história, sua cultura e suas tradições. O novo que chega querendo passar por cima de tudo, com seus modismos exagerados e afrescalhados, serve apenas como comparação e certeza de que é preciso conservar as raízes.
Do contrário, os apelos do mundo moderno acabam destruindo tudo aquilo que seguidas gerações plantaram e colheram para seu regalo e festejo, num tradicionalismo onde cada um se reconhece como matiz e motivo, pois personagem inafastável daquela história recheada de encantamentos.
Que se diga o mesmo com relação à música autenticamente sertaneja diante das novas tendências musicais. Pelo que se sabe, sertão gosta de cantoria, de aboio, de repente, de toada, de forró. E forró autêntico, pé-de-serra, com sanfona, zabumba, triângulo e pandeiro, além de um cantador arretado que quanto mais o suor vai pingando no rosto mais ele lembra de canções famosas sertão adentro:
Assim como “Qui nem jiló”: “Se a gente lembra só por lembrar/ Do amor que a gente um dia perdeu/ Saudade inté que assim é bom/ Pro cabra se convencer/ Que é feliz sem saber/ Pois não sofreu...”.
Igual a “Pra não morrer de tristeza”: “Mulher, deixaste tua moradia/ Pra viver de boemia/ E beber nos cabarés/ E eu, pra não morrer de tristeza/ Me sento na mesma mesa/ Mesmo sabendo quem és/ E eu, pra não morrer de tristeza/ Me sento na mesma mesa/ Mesmo sabendo quem és...”.
Uma “Feira de mangaio”: “Fumo de rolo arreio e cangalha/ Eu tenho pra vender, quem quer comprar/ Bolo de milho, broa e cocada/ Eu tenho pra vender, quem quer comprar/ Pé de moleque, alecrim, canela/ Moleque sai daqui me deixa trabalhar/ E Zé saiu correndo pra feira de pássaros/ E foi passo voando pra todo lugar...”.
Este é o sertão e sua música, sua dança, sua festa, seu remelexo. Na sala de reboco, pouca iluminada, os casais se desdobram no passo certeiro do amor e da felicidade. E como é bom rodar no salão, corpo apertado no outro, um calor suportável por outros motivos, muitas vezes um bafo quente na nuca exalado pela pinga boa.
E quanto mais o velho sanfoneiro arrasta o seu fole, mais o zabumba bate no compasso e o cantador acompanha na voz todo aquele requebro, mais parece que chega gente, que a sala se enche, sobre um calorão danado, com tudo misturado a cheiro de suor, cachaça e perfume. E os casais se batem, apertam mais o passo, buscam espaços, e é como se a noite fosse curta demais para tanta alegria.
E de repente para tudo, pois se formou um qüiproquó que pode dar em confusão, numa briga grande, coisa de se arrastar peixeira e punhal. É que o cabra não gosta de jeito que quando já está com conversa certa no ouvido da mulher, chegue um folgado e lhe peça pra dar uma dançadinha com a parceira. Aí o cabra vira na peste, se azeda.
E se o outro insiste, aí não tem jeito mesmo. É briga na certa.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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