Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Não me diga que não dói, machuca tudo por dentro, passar diante de uma casa e encontrar somente a porta e a janela batendo ao sabor do vento.
E dói mais ainda quando se sabe que ali morou gente conhecida, morou uma família, crianças cresceram e se tornaram adultos, vidas se transformaram para, enfim, sumir, desaparecer.
Nos centros urbanos, nos campos, nos escondidos da mataria, em qualquer lugar onde possa ser levantada uma moradia, pode acontecer esse triste encontro com o abandono, com a solidão, com o sentimento profundo de vazio.
E há de se perguntar onde estará aquela linda mocinha que ficava na janela todo entardecer; onde anda o casal de velhos que costumava prosear em frente à casinha, sentados em toras de paus; onde anda o trabalhador braçal, o agricultor, a doceira, a lavadeira, o menino que tanto corria atrás de seu cão.
E não há como na perguntar onde a vendedora de doce de leite e sua bandeja colocada ali à sombra do umbuzeiro; qual caminhou tomou o doidinho engraçado que chamava todo mundo de tio, mas que de repente se armava de pedra para jogar; e o poeta matuto que morava ali e pouco saía de seu quarto com medo de se apaixonar pelas flores do campo.
Uma casa, uma casinha simples, um casebre, coisa igual tapera, quatro costas de ripas que chamavam de moradia, não importa a pobreza ou suntuosidade se agora nada mais resta senão as janelas batendo, as portas abertas, o percurso doloroso do vento reabrindo e fazendo surgir um rangido de dor.
Passo, olho, me aproximo destes cenários, porém não me atrevo a entrar em qualquer deles. Sei que ali não mora mais ninguém, que toda família se mudou, e não penso em perguntar ao silêncio, ao sombrio interior, por onde andam agora aqueles que ali viviam. Mas imagino onde estejam e o que os fez em retirada.
Outra coisa não tem mais poder de espantar famílias inteiras do seu lugar do que a seca, as estiagens sertanejas que alargam as estradas e veredas dando passagem aos famintos, aos fugitivos da fome, aos retirantes em busca de lugar nenhum. Somente a seca tem esse dom pesaroso de expulsar o homem da terra, o povo de sua moradia, a vida de seu lugar.
E são tantos que desesperadamente vão que a gente só se dá conta da ausência quando passa diante da casinha abandonada e encontra a porta e janela abertas, dançando entristecidamente ao sabor do vento. E eu que amava aquela linda flor que ficava à janela, e eu que tanto sonhava morder da fruta avermelhada no seu lábio. O que será de mim agora, vez que só resta o vão solitário da janela?
Oh, Deus, como dói! Vou embora também. Mas para onde, se não sei o passo do meu amor? Mas vou embora agora, vou embora também. E que vá o vento soprar o nome dela no meu caderno de poesia.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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