A GUERRA QUE ACABOU COM O SERTÃO
Rangel Alves da Costa*
Os livros de História não mencionam, os poetas nordestinos não escrevem cordéis sobre tal episódio, os mais velhos não contam aos mais novos, os pesquisadores e estudiosos desse mundo de seca e sol também se esqueceram de investigar e relatar sobre a maior guerra jamais vista em todo o mundo. E tendo como palco o próprio sertão.
A indescritível, demasiadamente desumana e morticida guerra, foi por uns denominada de Guerra das Três Bandeiras, por outros de Guerra da Cruz Armada, e ainda por alguns de Guerra Injusta. Prefiro a primeira denominação, Guerra das Três Bandeiras, até porque as forças sertanejas eram guiadas pelas bandeiras de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, Antônio Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, e por Cícero Romão Batista, o Padre Cícero do Juazeiro. Para muitos apenas o Santo Padim Ciço.
Contudo, antes que se fale da guerra em si e seu desenlace, será preciso afirmar que o Padre Cícero é visto por alguns como aquele general nordestino que dividiu sua bandeira em duas, tendo colocado uma banda a serviço da causa sertaneja e a outra lutando - por debaixo do pano e nas trincheiras da traição – em favor dos governistas e das forças coronelistas subjugadoras. Nessa fronteira político-religiosa, sabia que o lado que saísse vencedor seria bom para a manutenção de poder e objetivos ainda maiores. Mas não foi bem assim não.
Mas vamos ao que interessa, que é falar dos meandros da Guerra das Três Bandeiras. Acontecida entre os séculos XIX e XX, a partir de 1895 e indo até 1938, teve por causa a ascensão de três nomes como grandes líderes sertanejos: Antônio Conselheiro, Virgulino Lampião e Padre Cícero. O Conselheiro, general da revolta contra as políticas governistas de submissão; Lampião, general da revolta contra as injustiças sociais; e o Padre Cícero, general da revolta contra os próprios inimigos políticos e as exageradas imposições da igreja.
Os três generais nordestinos, de liderança nata, mítica, fervorosa, não eram somente pessoas que simbolizavam a luta dos sertanejos contra o mandonismo, o coronelismo, as injustiças sociais e as mazelas impostas ao homem nordestino, mas verdadeiros guias que conseguiam aglutinar a grande raça matuta em torno dos seus objetivos de luta. E isto foi visto como grave ameaça ao poder governamental.
Ora, o poder governamental via como desrespeitosa intimidação e afronta ao controle estatal o fato de tais lideranças tentarem criar um Estado dentro do próprio Estado. Seria a nação sertaneja dentro da nação brasileira. E isto era de impensável aceitação. Era tido como crime tentar desmembrar, por meio de movimento armado ou tumultos planejados, o território nacional; mudar a ordem política ou social estabelecida na Constituição; subverter, por meios violentos, a ordem política e social, com o fim de estabelecer ditadura de classe social, de grupo ou de indivíduo; promover insurreição armada contra os poderes do Estado.
E os generais nordestinos queriam exatamente isso, desmembrar o território, mudar a ordem política e social vigente, e estabelecer um governo de sertanejo para sertanejo, além logicamente de acabar de vez com tantas e todas imposições injustas até então praticadas contra o povo mais humilde. Então, o governo não se intimidou contra as ameaças e logo providenciou que todas as suas forças militares se encaminhassem para a região sertaneja e, se preciso fosse, dizimasse todo aquele que tentasse reagir. E assim foi feito.
Por outro lado, como pregavam os generais nordestinos - e arregimentavam forças e exércitos matutos para fazer valer seus ideais revolucionários -, não havia como continuar submetido ao Estado que tratava uma parcela de seus cidadãos como verdadeiro lixo social, jogando-a ao abandono, às injustiças, ao poder de mando dos coronéis e latifundiários, e ainda por cima tendo que pagar impostos em tal valor que não sobrava nada para a subsistência das pobres e miseráveis famílias.
Antônio Conselheiro saiu de estado a estado convidando todo homem de fé para a luta contra o poder da besta. Lampião arregimentava jovens para a batalha e tecia acordos com poderosos amigos da causa para a obtenção de armamentos, munições e víveres. Padre Cícero fazia da igreja o grande grito clamando para que os fiéis e injustiçados marchassem com ele contra os inimigos tão ferozes e poderosos. E político como era, aproveitava a situação para jogar o povo em ira também contra os seus adversários.
As estradas, veredas e matarias sertanejas ficaram completamente tomadas de homens, mulheres e meninos, todos fanatizados pelas palavras de seus líderes, ansiosos para enfrentar os algozes governamentais que logo chegariam para tentar impedir o grande sonho de libertação caipira. Eram milhares, milhões de pessoas famintas, rasgadas, estropiadas, mas sedentos de luta. Carregavam armas de fogo, facões, enxadas, facas, canivetes, petecas, baleadeiras, pedras, pedaços de paus, arreios e até frigideiras velhas.
Do outro lado nem precisa dizer do que se armava. E então as forças governistas, das três armas, com toda a potencialidade bélica então existente, cercaram todo o sertão nordestino por ar, terra e mar, para dizimar de vez com as forças das três bandeiras. Pensaram que ia ser coisa fácil de ser resolvida, mas logo viram que a astúcia do velho preá andante nas suas próprias brenhas era difícil de ser vencida. E assim a guerra que seria ligeira, se demorou por mais de quarenta anos.
Ao final, no ano de 1938, as forças governistas acabaram de vez com a autêntica raça sertaneja, ao dizimar o último foco de homens valentes que nessa terra existia. Isso foi no dia 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, no sertão sergipano de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo. Os outros generais já estavam mortos. E os seus sonhos também. Será?
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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