SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 26 de março de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: OS MOTIVOS DA SAUDADE

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
A saudade não bate no peito, não vem à mente, não surge como dolorosa recordação apenas pela imagem de alguém que partiu, por uma estrada adiante ou infinitamente, para a eternidade.
Não. A saudade não requer tão-somente a imaginação do objeto ou do ser saudoso, mas também tantos outros motivos que a fazem despertar. E tais motivos são tantos e tão diversos que coisas aparentemente insignificantes podem despertá-la de forma dilacerante.
Uma flor, beija-flor, uma folha, uma folha caída, um galho retorcido, uma concha do mar, o mar, a praia, a onda, as areias molhadas, o areal sendo soprado pelo vento, o ninho, os filhotes no ninho, o passarinho. Tudo pode ser motivo para abrir as portas da saudade.
A chuva, o pingo na janela, a rosa vermelha no jardim, a plantinha escondida, o cacto, a bromélia, o animal na toca, o animal que corre, a poça d’água, a vasilha d’água refletindo a lua, a lua, o brilho da lua lá em cima, a imensidão luarada, a noite, o uivo do lobo, a visão da montanha, o rio correndo, a pedra molhada, a pedra chorando. Tudo pode ser motivo para a saudade.
A janela entreaberta, a cortina movendo-se ao vento, a pipa no ar, a bola sendo jogada, a bola sozinha, a roupa no varal, a música, a deliciosa melodia de fogo e sangue, a chama do fogão de lenha, a labareda, a moringa, o copo de barro, a rede balançando sozinha, o gato miando, o papagaio falando um nome, o nome escrito no tronco da árvore, a paisagem, os sinais da presença, a ausência, a dor. Ai quanta saudade!
Mas existem coisas que parecem falar, mostrar a face de alguém, ser a presença na ausência. Coisas existem que são como pontadas no peito do coração já desassossegado, são como gritos na mente aflitiva, são como imagens aos olhos que jamais esqueceram. Existem coisas que são a saudade em si e, muito mais do que a lembrança, o estar sem poder ter o outro.
Não precisa a lembrança, a imaginação da pessoa, diante do retrato emoldurado em cima da estante, da fotografia na parede, da carta deixada, do bilhete de amor, dos rabiscos na agenda ou no caderninho, da roupa que ficou, do perfume inconfundível, do nome riscado em qualquer lugar dentro de casa. A cada encontro e a cada olhar é como se o outro estivesse presente, falando naquela lembrança.
E então, é em momentos assim que a saudade chega impiedosa, silenciosamente cortante ou navegando num rio que nasce no olhar.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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