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sábado, 10 de março de 2012

FILOSOFIA DA SOLIDÃO (Crônica)

FILOSOFIA DA SOLIDÃO

                           Rangel Alves da Costa*


Concebo a filosofia como atitude de reflexão, como ato mental de introspecção, através do exame íntimo da própria condição de ser humano perante a realidade existente, e da extrospecção, através da observação e análise mental dos fenômenos do mundo exterior.
Como observado, minha concepção de filosofia é puramente intimista, calcada na experiência própria perante a realidade circundante. E para praticar tal filosofia não se exigiria métodos, disciplinas, rigores metodológicos. Ora, todo ser humano é filósofo potencial, bastando a ação ou inação para tornar sua filosofia em ação.
Diante de tais premissas, onde o conhecimento da natureza das coisas surge no ser e diante do ser, ouso afirmar que a solidão é a manifestação comportamental e espiritual mais adequada, propícia mesmo, para a expressão filosófica do ser humano, ainda que o mesmo nem se atenha a tal fato.
Mas o que será a solidão, condição humana tão propiciadora à expressão filosófica? Por solidão logo se tem a ideia de estágio que envolve alguém que se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento social, profunda sensação de vazio, busca de refúgio para expulsar os fantasmas da alma e trazer tantos outros. Solidão é, pois, esse não ser, ainda que sendo; o não estar, ainda que presente demais; o não ter, ainda que possuindo demais.
Mas a solidão filosófica, ou aquele estágio onde melhor a filosofia se expressa, não ocorre no isolamento para o mundo exterior nem no vazio interior, mas naquilo que é permitido pelo simples fato de se estar sozinho. É, pois, nesse momento de distanciamento que a mente se abre para a reflexão, para o pensamento, para a busca de tantas indagações e respostas.
Considerando-se que é na ação filosófica que o indivíduo procura conhecer e resolver problemas relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade e aos valores morais, dentre tantos outros, logicamente que tais problemas, e tantos outros, parecem surgir com maior visibilidade exatamente nos momentos de solidão. Então, o ato de se estar sozinho pode não ser de solidão, mas de pura expressão filosófica.
Ora, quem de repente se isola para viver seu momento de dor, de angústia ou de aflição, ou mesmo pelo fato de pretender fugir às recorrências da realidade, não tomará tal atitude apenas para fugir do mundo, voltar-se a si mesmo, privilegiar tão-somente o encontro consigo mesmo. Esta solidão não apaga o pensamento, não refreia a mente, não estanca a ação mental do indivíduo.
Por exemplo, alguém que de repente resolve entrar num quarto, fechar a porta e recolher-se a um cantinho para ali sentar e, mirando a vidraça da janela que deixa entrar uma tênue luz, esquecer o mundo e não pensar em nada, jamais conseguirá tal objetivo. E isto por um motivo muito fácil de responder: ainda que repleto de pesadelos e sofrimentos, o pensamento continuará em intenso estágio produtivo naquela pessoa que se acha vazia.
Tomando ainda o exemplo dado, à mente desse solitário surgirão reflexões, perguntas, as mais diversas situações. Se está naquele estado por uma decepção amorosa, logo indagará porque as pessoas amam tanto, se entregam apaixonadamente e depois se veem tão decepcionadas. Se está naquele condicionamento pela saudade de alguém, pela dor de alguma perda, pela tristeza repentina que se abateu, logicamente que sua mente criará cenários, paisagens, buscará entender o porquê disso tudo existir assim e ter o poder de provocar tão profunda dor.
Como afirmado anteriormente, cada passo mental da solidão, ou cada percurso daquele mundo visualizado pelo solitário, nada mais é do que uma construção filosófica. E não deixará de ser filosofia ainda que se diga que daquele momento não sai um postulado ou uma explicação para determinada realidade. Mas ora, não precisaria, pois as respostas são interiores, o conhecimento que surge é interior, o que se está sendo explicada é a realidade propiciadora e circundante da solidão.
Portanto, antes que veja o solitário como alguém digno de pena, e a solidão como estágio dos excluídos, será preciso ver em todo esse processo uma ação filosófica. O solitário um filósofo, e a solidão o silêncio de onde a filosofia tira seu olhar e voz.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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