ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VINGANÇA DOS ENCANTADOS (2)
Rangel Alves da Costa*
Foi o velho sertanejo que me contou e agora repasso, contando como me contaram, como se deu a desfeita do caçador para com os encantados e como estes reagiram, aplicando ao homem as velhas máximas do olho por olho dente por dente, bateu recebeu, aqui se faz e aqui se paga.
Contudo, logo adianto que o troco dado pelos encantados, a vingança por eles considerada e praticada, foi muito além, mas muito mesmo, do que qualquer um ser humano poderia imaginar. Realmente, ninguém de sã consciência poderia conceber que seres da floresta poderiam agir da forma como agiram, num esmero exagerado que chegou às raias da violência. Mas ficaremos sabendo desses detalhes depois.
Por enquanto falemos dos encantados. O que seriam, então, os encantados das matas, das florestas, que se espalham e se escondem nos escondidos da natureza? Segundo o velho me asseverou, encantados são os seres fantásticos que habitam nas matas; são os seres sobrenaturais invisíveis às pessoas comuns e que vivem escondidos no seio da floresta, protegendo-a contra os inimigos da natureza; são os espíritos prodigiosos que vivem nas entranhas da natureza e que cumprem um papel mágico em sua defesa.
São os elfos, seres com cara de poucos amigos que gostam de tirar satisfações com quem causa qualquer mal ao ambiente que estão protegendo; são os duendes, seres peraltas, brincalhões, que gostam de pegar peças naqueles que colocam as plantas em perigo; são os velhos dríades, os anciãos das florestas, seres que protegem as árvores contra os lenhadores; são as fadas, seres femininos que protegem as plantas floridas.
Mas também são os gnomos (guardiães das pedras, rochas, penhascos), as ondinas (seres que vivem nos riachos, nas fontes, no orvalho das folhas sobre as águas e nos musgos), as sereias (metade mulher e metade peixe, protegem ás águas e têm o poder de encantar e hipnotizar o homem com o seu canto); as ninfas (seres pequeninos que protegem as fontes de água doce); os sílfides (que são como uma espécie de anjos da natureza, reinando no ar e nos ventos); e os espíritos de fogo (também conhecidos como salamandras, possuindo chamas que se espalham pelo ar protegendo a natureza e transformando todo aquele que sentir a presença do seu poder).
A par de todos esses seres, outros existem que se aproximam muito mais dos encantados relatados pelo velho sertanejo. Estes são os seres mais conhecidos por todos, mais próximos da imaginação popular, pois fazem parte do universo folclórico. Cada região, com seus mitos, suas lendas, suas tradições e seus seres encantados, dizem do quanto esse imaginário misterioso é importante para o conhecimento de como a natureza é habitada por outros seres que não somente bichos e plantas.
Dentre estes seres está o curupira, um encantado baixinho, de cabelo afogueado e pés voltados pra trás (usados para despistar), que habita as matas. Sua função é proteger as árvores, plantas e animais das florestas contra caçadores e lenhadores, e tem como estratégias soltar assovios agudos e criar imagens assustadoras para os intrometidos. Por meio de encantamentos e ilusões, deixa o intrometido atordoado e perdido na mata, sem saber o que direção tomar. Faz isso e depois se esconde para zombar do atordoado.
Não se pode esquecer também de seres encantados como o boitatá (cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza); o lobisomem (homem que desenvolveu a capacidade de transformar-se em lobo, ou lobisomem, nas noites de lua cheia, quando ataca quem encontra pela frente); a mula-sem-cabeça (mulher que teve um romance com um padre e foi castigada, transformando-se, nas noites da quinta para sexta-feira, num animal quadrúpede que galopa e salta sem parar, enquanto solta fogo pelas ventas); e o saci-pererê (negrinho com apenas uma perna, sempre usando um cachimbo e um gorro com poderes mágicos. É um dos mais travessos, pois adora aprontar, espantando cavalos, queimando comida e soltando altas gargalhadas no ouvido das pessoas).
Dentre todos, o caipora é um dos mais conhecidos pelos seus poderes mágicos e de encantamentos. É tido como o defensor dos animais da floresta, também tido como o terror dos caçadores que caçam além do que precisam para sobreviver. Montado em um porco selvagem, o caipora anda nu pela floresta e domina todos os animais. De acordo com a lenda, ele ataca os caçadores que não cumprem os acordos de caça feitos com ele.
Ser mais que danado, a caipora destrói armadilhas dos caçadores, extermina com arapucas, dificulta ao máximo a vida do intrometido na mata. É hábil em assustar os caçadores, reproduzindo sons da floresta, além de modificar os caminhos e rastros para fazer com que os caçadores se percam na floresta.
Contudo, numa atitude mais parecida com o dos humanos, também faz negociação para que o caçador tenha permissão de exagerar um pouco na sua caçada. Como é feito e o que envolve tal acordo, bem com as consequencias do não cumprimento, serão mostrados mais adiante.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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