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domingo, 18 de março de 2012

“VOSMICÊ NUM É HOMI NÃO, É CABA SAFADO!...” (Estória sertaneja)

“VOSMICÊ NUM É HOMI NÃO, É CABA SAFADO!...”

                            Rangel Alves da Costa*


Torquato entrou na bodeguinha totalmente desarmado, levando consigo apenas a coragem dos homens valentes, encontrou o jagunço Cirineu, armado até os dentes, virando um copo de cachaça no pé do balcão, e foi logo dizendo pra que ouvisse bem:
“Vosmicê num é homi não, é um caba safado!...”.
Ao ouvir a sentença, o vendeirim amarelou, começou a tremer das pernas, se molhou todo e correu como pôde pro quintal. Não se sabe como, mas um que estava por ali acabou engolindo o cigarro de palha que estava fumando. Uma porta ficou estreita demais pra dois passar ao mesmo tempo em correria desenfreada. Outros se jogaram ao chão, se esconderam por trás de sacos, ficaram se sem saber o que fazer diante da tragédia iminente.
Ora, a resposta do jagunço Cirineu às palavras de Torquato certamente não viria através de outra coisa senão na bala, na facada, na extrema violência. Mas o pior é que se ouviram as mesmas palavras sendo repetidas:
 “Vosmicê num é homi não, é um caba safado!...”.
Dois desmaios e um ajoelhamento atordoado, de mãos erguidas para os céus, pedindo por tudo na vida que nenhuma bala perdida lhe atingisse onde estava. Contudo, parecia que o atingido na honra, o que havia sido chamado de cabra safado, não tinha ouvido o que o outro havia dito.
Mas ouviu, e bem claro. E tanto ouviu que à moda dos bandoleiros mais frios, se apoderou da garrafa ainda em cima do balcão e colocou outra dose no copo, virando numa golada só. Depois jogou o copo na prateleira e se virou com olhos esfumaçando em direção a Torquato.
“Num ouvi direito. Repita o que vosmicê acabou de dizer...”. E o outro, agora à sua frente, olhando olho no olho, repetiu: “Quantas veiz percisá. Vosmicê num é homi não, é um caba safado!...”.
“Entonce vai morrer agora mermo...”. E puxou, ao mesmo tempo, uma faca peixeira e um revólver. “Escolha com qual quer morrer...”. Falava cuspindo o jagunço, numa vermelhidão na face que parecia querer explodir a qualquer momento. Deu um passo pra trás e disse: “Vai ser com suas duas. Primeiro atiro, adespois sangro até as tripa sair...”.
“Cuma feiz cum Totonha?”. Ao ouvir esse nome o jagunço mudou de cor, do vermelho irado passou ao amarelado assustado, a quase nenhuma cor nem sangue pela face. A mão afrouxou o revólver, a faca acabou caindo. Mas o jagunço, num gesto brusco, levantou a arma em direção a Torquato e falou:
“Matei a safada que me traía com o Coroné. Tomem vou dá cabo dele, poi quem já me mandô matá mai de vinte vai tomem senti o gostim de morrer sem saber pruquê. E vosmicê vai ter o mermo destino da puta daquela puta safada...”.
“Entonce atire, se for homi mermo. Nunca vi jagunço ser homi, ser valente, ter quarque coragem. Cuma vosmicê, é tudo medroso, traiçoeiro, covarde. Se tivesse um pingüim assim de coragem enfrentava todo aquele que é pago pra matar, pra tirar a vida inocentemente. Mai não, poi o que faz é tocaiá, sem esconder atraiz das moita, na traição. Entonce mostre agora que é homi, ói nos meu óio e atire seu cabra safado, covarde duma figa. Lá onde ela tiver vou dizê àquela que vosmicê acabou de matá, e que num foi Totonha, o quem vosmicê é...”.
“Mai eu matei a puta da Totonha. Ela tava de costa mai sei que era ela...”. Disse o jagunço recuando novamente, sem jeito, numa medonha aflição. Então foi a vez de Torquato avançar em sua direção e dizer: “Quer que eu mande Totonha entrar? Ela está bem aí fora da porta. Quer que eu mande ela entrar?”.
E o jagunço se transformou totalmente, parecia um desajuizado, um fora de si. “Se num matei Totonha, entonce quem foi quem eu matei? Totonha, Totonha, Totonha, me perdoei pelo amor de Deus, vorte pra mim. Totonha, Totonha...”. E correu enlouquecido porta afora atrás da mulher. Saiu da cidade, entrou em estradas, veredas, na mataria, e sempre gritando por Totonha. Louco, completamente louco.
Passados os instantes de aperreios, com cada um saindo de seus esconderijos e aparecendo novamente, o dono da bodega acabou perguntando: “Mas quem foi, Torquato, quem o jagunço Cirineu matou mermo?”.
“Totonha. Ele matou Totonha. Mas ela não botava ponta nele com o Coroné não. Era comigo que ela tinha um chamego”.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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