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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 28 de dezembro de 2019

CURRALINHO: O AMOR E O ABANDONO



*Rangel Alves da Costa


São 14 km entre a sede do município de Poço Redondo, no sertão sergipano, e a povoação ribeirinha de Curralinho. A estrada, mesmo de chão batido e mais dificultosa em alguns pontos, está bastante convidativa à locomoção. Um percurso curto, fácil de ser feito e prazeroso, pois em direção às beiradas do Velho Chico, do Rio São Francisco que por ali passa e passeia para deleite de todos.
Do Velho Chico em Curralinho sou amigo e rotineiro visitante. E quando vou até lá, meu interesse, contudo, não se volta apenas para as margens do rio e suas águas, os bares e as belíssimas paisagens, mas também – principalmente - para o Curralinho histórico, povoação, comunidade, local de moradia e sobrevivência de ribeirinhos simples, honestos e irmãos sertanejos.
O Curralinho histórico é de uma grandeza sem fim. Ali, pelos caminhos do rio, foi onde tudo começou. Num tempo onde o sertão era de mata fechada, ainda sem qualquer penetração desbravadora, somente pelas águas do Velho Chico era possível chegar às margens sertanejas. Os primeiros desbravadoras chegaram pelo rio, ali desceram de embarcações, ergueram pequenos currais (daí o nome “curralinho”), e somente depois adentraram os hostis sertões.
Curralinho foi a primeira povoação surgida em Poço Redondo. E surgida com ares de progresso, pois em suas margens toda a vida econômica sertaneja começou a progredir. Era das margens curralienses que chegavam e saíam embarcações abarrotadas de quase tudo. Chegava o açúcar, o café, o tecido, a bebida, a novidade, e saíam os fardos de algodão, de peles, os sacos de carvões, as caças e muito mais. Por isso mesmo que no passado Curralinho teve comércio forte, moradias suntuosas, construções de belíssimas molduras arquitetônicas.
Até mesmo Antônio Conselheiro, o místico e mítico beato de Canudos, um dia, lá pelos idos de 1874, atravessou o rio e fincou os pés em Curralinho para deixar suas marcas. Ao lado de seus fanáticos e fiéis seguidores, logo deram forma de igreja a uma rústica construção numa parte mais elevada da povoação, dando-lhe o nome de Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ainda tão viva e bela. Em seguida, tencionando ir aos rincões baianos, o séquito do Conselheiro foi abrindo, em direção a atual sede de Poço Redondo, a estrada que hoje leva o nome de Estrada Histórica Antônio Conselheiro.
Com o passar dos anos, porém, o surgimento de estradas cortando os sertões fez refrear a intensa movimentação pela beira do rio. Curralinho foi perdendo sua força progressista, o comércio definhando, muitos moradores preferindo fixar moradia na já desenvolvida sede municipal. E desde então, com grande parte do comércio fechando suas portas, a povoação ribeirinha se viu como que parada no tempo. O único contentamento encontrado foi permanecer apenas como comunidade de pescadores e de donos de pequenas embarcações fazendo transportes pelos arredores.
Até dói o que vou dizer, mas direi: se não fosse o rio, a permanência do Velho Chico contornando o seu mundo, passando bem defronte às suas moradias de calçadas altas, Curralinho já teria definhado de vez. O que permitiu que Curralinho continuasse tão amado, tão querido e visitado, foi somente o encantamento provocado pelas águas do rio. E que, mesmo em épocas de magreza no leito, mesmo em períodos aonde o caudal não vai além de uma finura lá embaixo, ainda assim possui o dom e a magia de chamar às suas margens para o banho, para o vivenciamento de suas belezas.
Ainda assim, ainda que o Velho Chico possua tamanho poder de atração em Curralinho, alguns fatores persistem em querer afastar os visitantes e turistas. A povoação inteira vive como que abandonada, a pobreza se alastra por todo lugar, as margens do rio são como pastos de animais ou monturos para passeio de outros bichos. A sujeira afasta o banhista, os bares insistem em ter somente o mesmo peixe de sempre (e nenhum prato diferenciado), o lodo toma conta da beirada das águas e até enfeia a visão do rio como um todo. E uma realidade bastante diferenciada, por exemplo, das águas límpidas de Cajueiro ou das águas convidativas de Bonsucesso.
Seria fácil – e até justificado - preferir ir outro destino de passeio e banho que não Curralinho. Mas tem gente que ama aquele trecho de rio como se ao seu coração pertencesse. Tem gente que se envolve de tal modo com aquele leito remansoso passando, aquelas serras e montes e ao redor, aquelas margens com sua pequenas canoas, que não consegue se afastar de sua vida, da vida do rio.
O mesmo amor que eu sinto por Curralinho e o seu rio. Dói demais sentir o abandono por todo lugar, mas faz amar demais a simples presença. O encanto, a poesia, a magia do rio.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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