*Rangel Alves da Costa
Poço
Redondo, meu sertão querido, o seu álbum e suas molduras ainda vivem em mim
como imagens eternizadas no coração. Por isso tanto me lembro, tanto recordo,
tanto busco nas nostalgias suas feições mais singelas.
Ainda me
lembro da tábua de pirulitos de mel de Dona Luisinha, do arroz-doce de Baíta ao
entardecer, de Maria do Piau aparecendo na esquina com sua piaba salgada em
cesto na cabeça. Mãeta em sua calçada dando a benção a quem passasse e pedisse
a proteção. Seu João Retratista chegando de Pão de Açúcar e armando seu tripé
perante aquele que desejasse uma fotografia como recordação.
Nas proximidades
da Festa de Agosto, Manezinho Tem-tem, famoso engraxate daqueles idos, atravessava
o rio para fazer verdadeiros milagres em sapatos tortos, tronchos, de muito
caminho andado. Delino vendendo banana, Delino com o seu bar, e das três portas
adentro o forró comendo no centro.
Certa
feita, num dia de forró de Festa de Agosto, Heraldo Carvalho da Serra Negra
entrou pelas portas do bar com cavalo e tudo. Quem reclamava? Quantos
sanfoneiros bons já animaram aquele passado poço-redondense: Zé Aleixo, Zé
Goití, Dudu, Agenor da Barra, Dida e tantos outros. Zelito era a voz do forró
de Zé Aleixo. Miltinho abria as portas de seu bar para resgatar aquele forró
pé-de-serra que já descambava para o esquecimento.
Camisa
chique de volta-ao-mundo, calça boca-de-sino, brilhantina no cabelo e nos
bolsos um pente e um espelhinho ovalado. Ali na Praça da Matriz, bem defronte à
casa de Tia Cordélia, a marinete de Seu Vavá parando depois de mais de cinco
horas de viagem por estrada de chão, e todo o sacrifício para chegar ao sertão.
E, tantas vezes, para fazer retornar sertanejos depois de uma estadia no sul.
Gente
passando menos de ano pelo Rio de Janeiro e São Paulo e logo chegando com falar
diferente, num carioquês ou paulistês desavergonhado que só. Trazia sempre uma
radiola e discos de Maurício Reis, Odair José e Fernando Mendes. Depois era uma
farra, mas só até o dinheiro ir minguando e o sertanejo se virar como podia
para se manter. Tudo isso ainda possui presença forte na minha memória.
As
calçadas do entardecer tomadas pelas senhoras e suas almofadas de renda de
bilros. Araci, Maria de Iaiá, Dom, Clotilde, uma irmandade que era só maestria
no tracejar dos bilros fazendo encantamentos sobre as marcações das almofadas.
No barraco de Zé de Lola a pinga boa. Não havia quem não se encantasse com o
doce de leite de bolas do Bar de Noélia. Também local onde a vaqueirama se
juntava para a farra e o aboio.
Quando Zé
Ferreira, Ademor e tantos outros chegavam por ali, então tudo parecia cheirando
a terra e a gado, mas principalmente a aboio e toada, e tudo em meio a uma
cervejada sem fim. Pelas ruas, o que sempre há em toda cidade interiorana: os
doidos, desajuizados, ou aluados, como melhor se dizia. Zé Gabão, Expedito e
até Tonho Bioto, quando a lua desandava o seu juízo. Tonho Doido e Nalvinha
viviam na paz de seus poucos juízos, sendo amigos de todo mundo.
Pano de
roupa de festa, florido, bonito, tudo era encontrado com a irmandade Izabel
Marques, Mãezinha e Conceição. Uma vez por ano, eis que a cidade parecia ser
outra. Além da roupa nova para a Festa de Agosto, também as fachadas das casas
recebiam pintura nova. Nas calçadas, por riba de cadeiras, colchas e panos
rendados ao sol. Também uma forma de mostrar as posses daquela família.
Um dia
inesquecível foi a chegada da televisão na cidade. O colorido era apenas numa
tela de plástico de diversas cores colocada sobre o chuvisquento preto e branco.
Parecia coisa do outro mundo! Mas nada igual ao Cassimicoco de Julinho e as
serenatas ao som da sanfona de Zé Goiti pelas noites enluaradas da cidade. Já
perto da meia-noite a Praça do Cruzeiro parecia só de Alcino. Chegava com sua
radiola e discos sertanejos e então deixava se embriagar pela lua e as estrelas
de seu sertão.
Poço Redondo
era um mundo assim, de viver singelo e pacato, mas de uma grandiosidade sem
fim. Aquela Rua dos Vaqueiros e suas porteiras agora saudosas dos grandes
homens: Abdias, Tião de Sinhá, Mané Cante, Bastião Joaquim e tantos outros.
Chico de Celina ora passava esquipando em cavalo bom ora passava tangendo um
carro-de-bois. Mariá juntava uma trouxa grande e seguia com as muitas roupas em
direção às pedras do riachinho.
Maninho
chegava junto pé do balcão e pedia uma relepada boa, não demorava muito e já
estava esfuziante: “Ora, pois, pois...”. Dizia sem nada reclamar da vida. Nos
anos 70, a inauguração da energia elétrica fez a noite virar dia. Galinhas,
pintos e galos, confundidos com o clarão, desceram de seus poleiros e tomaram a
cidade inteira, dividindo as ruas com as pessoas maravilhadas.
E eu aqui
apenas com muita saudade, tendo que me contentar em abrir aqueles velhos baús
para reencontrar o doce e nostálgico passado de Poço Redondo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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