*Rangel Alves da Costa
É no próprio contexto da definição de
preconceito onde se encontram as provas de sua disseminação por todo lugar,
perante as pessoas e meios. Tem-se, assim, que o preconceito expõe-se e
expande-se abertamente, através de palavras, gestos e atitudes, mas
principalmente através de sutilezas e múltiplos disfarces.
Por definição, preconceito é qualquer opinião
ou sentimento concebido sem exame crítico. É o sentimento hostil, assumido em
consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta
pelo meio. É um juízo pré-concebido, que se manifesta numa atitude
discriminatória perante pessoas, crenças, sentimentos e tendências de
comportamento. É ainda uma ideia formada antecipadamente e que não tem
fundamento crítico ou lógico.
Muitos outros conceitos, definições e
significados, poderiam ser dados com relação a preconceito. Mas em todos,
invariavelmente, sempre a noção de repulsa, de não aceitação, de negação do
outro. Então, o que sempre se tem é uma crítica pessoal acerca do outro, seja
na sua roupa, na sua opção sexual, na sua cor, na sua religião, no seu jeito de
ser e conviver. Basta que alguém confronte uma idealização ou uma concepção,
então já se terá o preconceito.
Diz-se muito do preconceito de raça e de
credo. O evangélico tem aversão ao católico, o católico sente repulsa ao
umbandista, o ateu execra todas as religiões, apenas para servir de exemplo. O negro
é evitado pelo branco, o branco é negado pelo negro. Alongando a
exemplificação, não raro que rico não goste de pobre, moradores de áreas nobres
não gostem de favelados, vaidosos e egoístas não gostem da humildade e da
simplicidade. E mais um rol infinito de situações onde o preconceito é
percebido, ainda que não totalmente visível.
Contudo, o que dizer do preconceito no olhar,
na palavra dissimulada, no forçado convívio social? O que dizer da ação
supostamente despretensiosa, mas que carrega em si forte dose de desfazimento
do outro? O que dizer das relações que se dão entre forças superiores e
inferiores, onde os níveis ou classes sociais pontuam as formas de tratamento?
O que dizer das amizades baseadas na pretensão de um sobre outro, onde o menos
favorecido economicamente é visto como servil?
Ademais, não adianta dizer que respeita o
outro que seja desta ou daquela religião, que possua esta ou aquela cor, que
tenha esta ou aquela origem. Nada disso tem valia se no íntimo da pessoa existe
uma concepção bem diferenciada de tudo isso. Ora, existem pessoas que não dizem
– ou juram de morte que não são assim -, mas que não suportam sequer ter uma
mão de um “dito” inferior estendida em sua direção. Relatos existem de
políticos que simplesmente levam álcool nos seus veículos para a limpeza das
mãos após o contato com seus eleitores empobrecidos.
As pessoas não dizem, sempre se negam a dizer
ou demonstrar, mas no fundo da alma há muito mais preconceito do que imagina
qualquer vã filosofia. O que se vê é um monte de demagogos, de interesseiros e
ambiciosos, que forjam sentimentos para tirar proveito de pessoas e situações.
Ama o eleitor, adora o eleitor, sente saudade do eleitor, procura o eleitor,
mas somente nas proximidades das eleições. Passado o pleito e por muito tempo,
o adeus, o esquecimento. Por que assim acontece? Ora, a política não gosta de
povo além daquilo que este, enquanto votante, possa servir a seus propósitos de
poder e mando.
Outro exemplo claro do preconceito
disfarçado, e desta vez de humanitarismo, está presente nos hospitais, nos
postos de atendimentos, nos prontos-socorros. Relatos existem de tratamentos
desumanos e até bestiais de enfermeiros e médicos contra pacientes indefesos e
seus familiares aflitos. Aqueles que deveriam cuidar da vida, prestar socorro
com paciência e zelo, de repente se transformam em algozes, em bárbaros, onde
pessoas entre a vida e morte são tratadas como bichos de tanto faz. Um
preconceito contra a doença, o doente, o necessitado, como se aquela vítima ou
paciente fosse um estorvo, um fardo que não mereça um olhar verdadeiramente
humano.
No meio social, dificilmente se encontra
aquele que tem o outro como verdadeiro irmão, que o trata com carinho puro, com
o afeto mais profundo que possa existir. Não é fácil avistar aquele que abraça
o pobre como se tivesse abraçando a um pai ou a um filho, aquele que se revela
amigo com suas feições mais positivas. Basta ter como exemplo a seguinte
situação. Mesmo perante velhos e bons amigos de infância, quantos não os tornam
como que esquecidos e vão atrás de estender a mão a poderosos desconhecidos?
Juntos, o preconceito e a desonestidade moral.
Diga-se, por fim, que a cachorrinha de raça
da madama não pode sequer passar perto de mendigo de calçada. A Luluzinha pode
pegar doença de pobre: infecção, sujeira, imundície, pobreza mesmo. Mas a
madama é a mesma que tudo faz para fingir seu arraigado preconceito. Faz parte
de uma liga qualquer de assistência aos desvalidos e empobrecidos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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