*Rangel Alves da Costa
Seguindo
viagem, a gente vai encontrando lugares e situações, paisagens e realidades,
que fica difícil não querer parar, descer do veículo e ir até lá. Assim
aconteceu ontem, sábado 07/12, já ao entardecer de candeeiro, enquanto eu seguia
para a baiana Serra Negra. O que chamo Serra Negra (denominação anterior e que
reputo como de maior força expressiva) é a atual Pedro Alexandre, cidade sede
do município baiano com mesmo nome e que faz divisa com Poço Redondo, este no
estado de Sergipe. E Poço Redondo que é meu berço de nascimento.
Então,
seguindo pelas estradas sertanejas, já após adentrar nas terras baianas de chão
batido, um pouco antes da comunidade denominada Ponta da Serra, logo avistei
uma casinha de beiral de estrada, parecendo abandonada no meio do mundo, sem
mais morador que tivesse resistido àquelas distâncias de quase tudo e o
isolamento entre a estrada de terra e o que ainda resta de mata. O carro se
aproximou um pouco mais e então percebi que a porta da frente estava aberta e
que havia uma pessoa sentada no vão de entrada, sob o cimento desgastado de
tempo.
Havia sim.
O carro foi passando e eu olhando naquela direção. Achei estranha e
entristecida demais aquela imagem de solidão naquela casinha com sua moradora
sentada à porta. Pedi ao motorista que retornasse um pouco e parasse bem
defronte à casinha. E assim foi feito. Desci do veículo já imaginando o que
falar para que a mulher não se espantasse com minha presença nem imaginasse ser
pessoa que por ali passava tencionando fazer alguma maldade. Fui me aproximando
calmamente, cumprimentei ainda ao longe, e percebi que a mulher não se mostrava
temerosa de nada. Pelo contrário, logo respondeu ao cumprimento e até esboçou
um sorriso receptivo.
Então
procurei aproximar a conversa: “Passando por aqui já neste final de tarde e
indo em direção a Serra Negra, achei interessante sua moradia e mais ainda a
senhora aí sentada e como se estivesse apenas avistando o tempo passar. Venho
de Poço Redondo, sou filho de lá, e não se preocupe que sou de paz, mas um
tanto curioso com situações como essa que encontro agora: a senhora aí
sentadinha no seu mundo e tudo ao redor parecendo silencioso demais. A senhora
mora sozinha?”. Logo vieram as respostas.
Sim,
morava sozinha ali naquele local, um tanto distante de tudo, mas com carros,
pessoas e animais passando de vez em quando. Seu nome era Corina, mulher já se
encaminhando à velhice, ali na singeleza da solidão sertaneja. Vivia solitária
sim, mas de vez em quando um parente ou amigo chegava para que não passasse a
noite sozinha. Em sua casinha, apenas relíquias e lembranças do passado, apenas
velharias e retratos amarelados de um passado certamente muito mais alegre do
que vive agora.
A casinha
miúda, de barro batido, certamente lá dentro não possuía mais que uma pequena
sala, quarto e cozinha. Uma olhada e já dava para divisar quase tudo. Ao lado,
outras velharias dividiam um quartinho com galinhas. Pedaços de troncos e paus
amontoados num canto, restos de cadeiras e de vasilhames. Pedi permissão para
fotografar a moradia e prontamente fui atendido. Como ela também permitiu ser
fotografada perante sua porta, então eu aproveitei e pedi para registrar sua
presença ao meu lado. E as fotos ficaram lindas. Entristecidas, contudo.
Entristecidas
por que não é fácil fotografar a solidão. Ainda que eu e Dona Corina
estivéssemos como imagens centrais dos retratos, ainda assim tudo se mostrou na
mais plena moldura da solidão humana. De solidão o mundo de Dona Corina, de solidão
os seus dias e suas noites. E talvez por isso mesmo que ela tivesse se mostrado
tão receptiva perante nossa presença, ainda que nada mais que um desconhecido
que por ali passava. Aquele breve instante de convívio e palavra, aqueles
poucos momentos de proseados e perguntas e respostas, certamente que como um
alento grande àquele coração feito ilha no meio do mato, no meio do mundo.
E um
instante sublime e inesquecível, como também entristecedor. De repente, Dona
Corina entrou nas dependências para logo surgir como um retrato de seu falecido
companheiro. Em pé, com o quadro entre as mãos, sobre o peito, ela retratando
saudades e nostalgias grandes. Aquela fotografia certamente lhe acompanhava nos
seus dias e instantes de solidão. Com ela conversava, confessava, segredava,
convivia como um amor tão imorredouro quanto verdadeiro.
Demos
adeus, seguimos viagem, e ela voltou ao seu mundo de solidão, relembranças e
nostalgias. Coisa linda, Dona Corina. Mas que coisa tão triste, Dona Corina.
Sua solidão, ainda que dividida com a fotografia de seu companheiro, é mais,
muito mais solitária que as demais solidões. Solidão de vazio, de abandono e de
saudade. Solidão tão só que até a própria solidão prantearia viver assim.
Imagino que seja assim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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