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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 26 de abril de 2010

BICHO-PAPÃO NA ESCURIDÃO (Crônica)

BICHO-PAPÃO NA ESCURIDÃO

Rangel Alves da Costa*


Dois priminhos estavam brincando e de repente começaram a travar uma pequena discussão de criança. Tudo começou quando um disse ao outro que se não brincasse direito o bicho-papão vinha de noite pra lhe fazer medo. "Ah! seu bestinha, pensa que eu sou como você que ainda acredita em bicho-papão, é? Pois fique sabendo que bicho-papão não existe e nem nunca existiu, e o que existe de verdade e que vem pegar você é o papa-figo", disse o outro. Era pra dizer papa-fígado, mas...
"Ah! é, você quer que o papa-figo venha me pegar é? Então você vai ver se o bicho-papão não vem arrancar sua língua de noite". Foi falando e já correndo pra cima do primo, e só não se embolaram pelo chão porque a mãe de um deles correu para evitar o pior e em seguida pediu à sua mãe, que estava numa cadeira de balanço fazendo tricô, que resolvesse o problema: "Mãe, por favor explique a esses dois danadinhos que não existe nem bicho-papão nem papa-figo. Dá pra senhora explicar direitinho?". Porém, como se veria depois, esta não foi a melhor solução encontrada pela jovem mãe. Basta saber o que a velha senhora disse:
- Venham cá vocês dois que eu vou contar a verdade, que é pra ver se vocês aprendem e param de brigar. Na verdade, papa-figo não existe, é tudo criação dos pais e adultos para amedrontar as crianças quando elas querem fazer ou fazem alguma besteira, mas bicho-papão existe de verdade, e digo isso porque uma vez um bicho-papão já quis me pegar...
E a filha, sem acreditar no que estava ouvindo, falou: "Mas mãe, pelo amor de Deus, ao invés de a senhora ajudar quer complicar ainda mais com essa história, parece que está caducando. Por favor, fale a verdade às crianças". E a senhora continuou, como se nem tivesse ouvido a filha.
- Papa-figo não existe, mas bicho-papão existe e vou dizer porque, mas não tenham medo não, se não corre o risco dele querer pegar vocês – E os meninos ficaram quietinhos, tremendo de medo -. Quando eu era novinha e tinha um namorado escondido do meu pai, e ele de noite vinha conversar comigo na janela do quarto, quando meu pai ouvia qualquer barulho e vinha me perguntar o que tinha sido, aí eu dizia que só podia ter sido o bicho-papão, porque eu estava sozinha, como ele mesmo podia ver. Aí ele olhava dentro do guarda-roupa, atrás da cortina e embaixo da cama, e nada do bicho-papão aparecer. Mas um dia o bicho-papão me pegou de verdade...
"Mas mãe, pelo amor de Deus, que conversas são essas, não está vendo que os seus netos estão ouvindo essas asneiras e podem acreditar nisso tudo? Ademais, veja lá onde a senhora chega com essa história de bicho-papão. Sei não...", disse a mãe já preocupada.
- Cale a boca senão eu conto como o bicho-papão pegou você. Ah!, sim, vamos continuar. Um dia, quando já era noitinha bem escura, fui lá no quintal de casa tirar uma roupa do varal porque parecia que ia chover. Assim que cheguei lá e já ia pegando a roupa senti um vulto se aproximando de repente, com um bafo quente e me segurou por trás...
"Mas mãe, pelo amor de Deus...", implorava a jovem senhora.
- Cale a boca senão eu conto. Aí, quando ele me segurou por trás a luz do quintal foi acesa e ele correu e sumiu por trás das bananeiras...
Foi quando um dos netinhos perguntou: "E aí vó, a senhora ainda voltou lá quando tava escuro, depois de quase ser comida pelo bicho-papão?". "Aí já é outra história, mas eu vou contar", disse a velha senhora.
"Mas mãe, pare com isso agora mesmo, senão vai acabar falando o que não pode e não deve", repetia a moça com ares de preocupação.
- Voltei e um dia, de noite bem escura, mas com uma lua bem bonita no céu, o bicho-papão veio ainda mais ligeiro, me pegou e me comeu...
"Pare agora mesmo com isso, mãe, não está vendo que são só crianças?", agonizava a jovem. Mas sua mãe parecia que não estava nem um pouco preocupada.
- Pois bem. O bicho-papão veio e me comeu todinha, de uma vez só. Sorte minha que eu tinha passado pimenta pelo meu corpo todinho, e aí ele, que ficou todo se ardendo com a pimenta, me cuspiu e aí eu voltei para o mundo e ainda hoje estou aqui.
"E o bicho-papão vó, desapareceu de vez, sumiu com medo da pimenta?", perguntou um dos netinhos, curioso que só.
- Que nada meu filho, acabei casando com ele...
"Mas mãe!!!...".



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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