SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 16 de abril de 2010

VOU CONTAR UM CAUSO... (Crônica)

VOU CONTAR UM CAUSO...

Rangel Alves da Costa*


"Num tem mais cigarro, então vou vender o isqueiro pra comprar um cigarrinho", Seu Juca anunciou. E Aparecido perguntou: "E com o que vai acender o cigarro depois?". "É mermo, nem tinha pensado nisso. Então vou vender uns comprimido de coração que tenho aí...".
O velho Leodegário, o profeta de todo o sempre, anunciou com muito tempo de antecedência: "Se num chover nesses dias vai chover mais pra adiante, e pode escrever o que tô dizendo: quem num prantá num vai ter o que colher, quem num tiver cuidado vai pedir esmola e quem num pedir esmola corre o risco de passar fome. Adespois me diga se num vai ser assim...". E Aparecido se intrometeu: "Mas não é sempre assim Seu Leodegário, e o que há de novo nisso?". "Novo pruque eu tô dizendo agora", respondeu o profeta, saindo antes que o outro lhe desafiasse.
Leôncio, vaqueiro das antigas do Coronel Afortunado, pediu licença ao patrão, chamou-lhe num canto e falou: "Me adesculpe me intrometer patrãozim, mas é bom o senhor ficar de olho aberto na sua filha mais velha, a Marininha, pois eu mermo vi com esses olhos que a terra há de comer quando ela atravessou o arame e se arribou por dentro das terras do vizinho, aquele mesmo que é seu inimigo e tem um filho na mesma idade dela. Num sei não, mas quem avisa amigo é". "E quando foi que você viu isso Leôncio?", indagou o Coronel. "A bem dizer, a semana todinha...", disse o vaqueiro. "Não se preocupe, é que eu mandei ela olhar os bichos, que é pra espairecer um pouco, sabe...". "Mas Coronel, a mocinha tem que tá olhando o bicho dos outros e todo dia?".
Tindinho, o doido do lugar – já que em todo lugar tem um doido, e isto é a verdade mais verdadeira do mundo – sentava no banco da praça e a todo mundo que passava ele dizia a mesma coisa. Se era homem dizia "cuidado que vai cair"; se era mulher falava "cuidado que tá caindo"; se era menino dizia "cai já" e se era velho afirmava "já caiu". Há muito tempo que o amalucado vinha com essa história, deixando todo mundo curioso, mas sem que ninguém tivesse coragem de perguntar o significado daquilo. Não suportando mais a curiosidade, se reuniram e foram pedir ao padre que perguntasse ao doido o que queria dizer "cuidado que vai cair", cuidado que tá caindo", cai já" e "já caiu". Amedrontado pela incumbência, mesmo assim o sacerdote se dirigiu até a praça, foi se achegando com cuidado e sentou bem na pontinha do banco onde o doido estava. Assim que olhou para o padre desconfiado, o maluco disse: "vai cair". E não deu outra.
Dona Milú Parteira, cujo apelido já dizia tudo, era uma das senhoras mais respeitadas do lugar. Espalhava pra todo mundo ouvir que ali e nas redondezas já tinha feito pra mais de quinhentos partos. Numa dessas tardes sertanejas, jogando conversa fora como se os outros não tivessem o que fazer, Carminha Luto-fechado – vestia-se de preto de cima abaixo há mais de vinte anos, quando o esposo morreu em plena função de lua-de-mel – perguntou qual teria sido o parto mais difícil que ela já tinha feito até aquele momento. E a parteira, meio distraída e para quase morrer de arrependimento depois, respondeu: "Acho que foi o de Dedete, a filha do vereador". A de preto quase dá um chilique, cai pra trás: "Dedete, a solteira que só quer ser, mas como se ela nunca namorou nem teve filho? Você está me dizendo que...?". "Por isso mesmo. Pariu sem ninguém saber e deu um trabalho danado". "E o menino, me conte, me conte...".
Já com Sebastiana da Luz Vermelha a história foi bem diferente. Dona de um breguinha no lugar, mas toda respeitosa e dizendo que só possuía aquele ambiente pra salvar os solteiros da miséria da solidão, todas as tardes ia orar na igreja, de véu, crucifixo nas mãos e tudo mais. Há muito que as beatas não estavam gostando nada disso, pois uma mulher do pecado não podia freqüentar a casa do Senhor, era o que diziam. Resolveram então dar um basta nessa situação, impedindo que ela se dirigisse até ali. Mas como fazer isso? Pensaram e pensaram e decidiram que a cada dia uma beata escolhida esperaria a dita na porta da igreja e quando ela chegasse esculhambaria com ela, dizendo as coisas mais feias que alguém poderia ouvir, e assim ela deixaria de aparecer. Tudo combinado, no dia seguinte Lurdes esperou a mulher, não na porta, mas dentro da igreja, e o que falou ninguém sabe. No outro dia Maria fez a mesma coisa, e depois Joanice, e também... Quando chegou a vez da última beata, e a dona do breguinha continuando indo tranquilamente até o lugar, a beata Das Dores perguntou às outras: "E o que foi que fossem disseram a ela, que essa descarada ainda tem a petulância de aparecer?". "Eu...", disse uma, "eu...", falou outra, "eu disse a mesma coisa que as outras...", informou a última. "Mas afinal, o que vocês disseram a ela?", perguntou irritada. "Na verdade, nos não dissemos, apenas perguntamos como era a vida lá, se ia muito homem bonito, se alguma das nossas filhas aparecia por lá, essas coisinhas assim...".
Me contaram ainda uma história mas não estou lembrando bem. Ah! agora lembrei. Dizem que na cidade grande o único "causo" que as pessoas sabem contar é aquele do trem. "E como é essa história?". "Diz apenas que as pessoas acham que tudo na vida é como um trem, e êta trem bão sô..."



Advogado e poeta
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