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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 3 de abril de 2010

DOIDO DE PEDRA (Crônica)

DOIDO DE PEDRA

Rangel Alves da Costa*


Conheço um rapaz – e considero até meu amigo – que é doido de pedra, desses que está calmo, falando coerentemente num instante e no outro desanda o juízo que é um deus nos acuda. Ninguém, nem mesmo os familiares, sabe explicar os motivos de o jovem ter ficado assim nesse jeito diferente de ser louco.
Digo diferente porque a loucura, mais ou menos acentuada, é geralmente perene, permanente, vivendo instalada na cabeça do indivíduo, cujas mínimas ações já demonstram não ser uma pessoa normal. Mas esse meu amigo não, é doido ocasional, o que o torna ainda mais perigoso, pois nunca se sabe qual vai ser a sua reação seguinte.
Verdade é que passa dias e dias na mais pura normalidade, no convívio alegre e amigueiro com todos, e depois, sem que ninguém entenda nada porque isso ocorre, cospe na cara ou começa a esculhambar com quem está ao seu lado. Quando não faz coisa pior.
Um dia saiu gritando pelas ruas que todos os políticos são ladrões, que filho de governante tinha que estudar em escola pública para ver o que é bom pra tosse, que os pais são covardes por deixarem os filhos fazerem o que bem entendem. Não deu outra. Disseram que aquilo era doidice demais e que tinha de ir pra camisa-de-força com urgência.
Os pais desse rapaz já fizeram tudo que tiveram ao alcance para saber por que o jovem fica assim, às vezes bonzinho e outras vezes doidinho. Já consultaram psiquiatras, analistas, terapeutas, psicólogos e nada. Quando muito afirmam que é um problema congênito, uma disfunção cabeçal, uma anomalia no lobo loucal ou coisa parecida. Mas nunca deram jeito.
Já procuraram pai-de-santo, mãe-de-santo, macumbeiro, catimbozeiro, tudo, mas nada de dar jeito. Quando muito dizem que fizeram trabalho ruim pra ele, que colocaram seu nome à meia noite numa encruzilhada ou que o caboclo não-sei-quem tomou conta do seu corpo, principalmente da cabeça. Vela preta, galinha preta e uma grana preta foram as soluções prescritas, e nada.
A mãe pensa que o rapaz ficou assim porque deu à luz em plena lua cheia, período que dizem afetar o juízo das pessoas. O pai já é da opinião que ele ficou assim por causa do mau olhado de uma mulher que nunca conseguia engravidar. A vizinha do lado tinha certeza que era tudinho safadeza dele, pois quem já se viu um doido de pedra ser inteligente daquele jeito, discutir coisas de política, de religião, de filosofia e o escambau. Já a vizinha do outro lado, que já havia tido uns encontros muito doidos com ele, afirmava que aquilo tudo não era outra coisa senão falta de mulher.
Certa vez Padre Pedro, passando pela rua da casa dos pais do rapaz, resolveu fazer uma visita. Assim que chegou na porta deu de cara com ele sentado e lendo um livro muito grosso, parecendo sobre um assunto muito importante. E começaram a conversar discutindo sobre a bíblia, sobre os apóstolos, sobre os quatro evangelhos, acerca dos salmos mais bonitos e da beleza que é o livro de Eclesiastes. Passaram mais de uma hora assim nesse diálogo interessantíssimo e profundo.
O rapaz pediu que sua mãe esquentasse um cafezinho e trouxesse um lanche e uma água para o sacerdote. A conversa estava tão boa e instigante que resolveu ir até a estante do quarto pegar outra bíblia para discutirem as mudanças existentes de uma tradução para outra. Entrou casa adentro e quando o padre menos espera levou um bolada no pé do ouvido que a xícara caiu para um lado e o bolo para o outro. Já ia levar uma paulada na cabeça quando a mãe chegou gritando que pelo amor de Deus não matasse o homem. Dizem que na carreira que deu o sacerdote errou o caminho da igreja e foi se esconder embaixo da cama da amante, com o marido desta em casa e tudo mais.
E assim, dando bolada nos outros, jogando pedra em quem passasse perto de sua casa, esculhambando as mocinhas disso e daquilo, xingando as velhas beatas e as senhoras recatadas, se comportava o rapaz quando o problema surgia. Pensaram em interná-lo de vez, mas voltaram atrás quando souberam que nenhuma instituição psiquiátrica estava aceitando doido inteligente, só doido maluco mesmo.
Isto porque certa vez internaram um doido que provou por "a" mais "b" que os loucos dali não eram os pacientes, mas sim aqueles que os tinham como loucos. E mandou que alguém provasse o contrário. Como não conseguiram, o diretor da clínica resolveu se internar por conta própria, e até hoje vive na coleira e latindo. Só atende quem lhe chama de "meu au au".
Assim que o surto passava, o rapaz se transformava completamente. Bonito e simpático que só ele, as mocinhas disputavam com ferocidade as belas flores que gostava de distribuir. Sentava na praça todo faceiro, cheirando a perfume da moda e não demorava muito para chegar os recadinhos.
Fulana disse que quer encontrar você para ensinar a ela como se escreve um poema de solidão; sicrana mandou perguntar se é feio uma mocinha mandar dizer a um homem que está apaixonada; beltrana disse que vá tomar um chazinho com ela para ensinar algumas palavras que rimam com amor, pois até agora ela só conseguiu rimar amor com dor.
Contudo, assim que foi na casa da mocinha que só rima amor com dor, surtou logo que ia subindo na calçada. E a mocinha coitada, que vinha toda sorridente e cheirosa, recebeu foi uma pancada com um guarda-chuva fechado na cabeça. Dessa pancada nunca mais ficou com o juízo normal. Assim como ele, de tempos em tempos também fica doida de pedra. Mas dizem que são muitos felizes nessa loucura que também é o amor.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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