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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 13 de abril de 2010

O MENINO QUE NASCEU VERDE – III

O MENINO QUE NASCEU VERDE – III

Rangel Alves da Costa*



Dito e feito. Não demorou nem um mês e uma nova trovoada caiu sobre aquele sertaozão. Dois dias depois das águas caírem e a paisagem sertaneja já havia retomado sua cor verdejante. Até onde os olhos podiam enxergar, a mataria ganhava nova vida e as folhas quase sem vida pulsavam novamente. E o pequeno João, que andava fastioso, adoecido e mostrando fraqueza naquela sua cor inexplicável, de repente ganhou novo impulso, ficou animado, sadio e sorridente. Cosme e Joana, seus pais, olhavam um para um outro alegres e tristes ao mesmo tempo, sem palavras, mas com um nó na garganta causando aflição e tormento. O que seria de seu filho se o que estavam pensando pudesse se confirmar.
Cosme, que sempre guardava em casa uma garrafa de aguardente misturada com casca de umburana, ofereceu uma dose pra mulher e tomou uma talagada, talvez para ganhar ânimo pra dizer o que pensava sobre o assunto. Depois da segunda virada foi logo dizendo: “É, muié, Deus queira que não, mas se o que eu estou pensando for verdade, somente Deus para ter piedade de nosso filho. O menino, pelo visto, está mais pra planta do que pra gente. Nasceu dessa cor verde e assim fica enquanto o mato também tá verde. Se para de chover e tudo começa a secar, o menino vai também perdendo a cor e até parece que vai morrer. Você viu que ele tava assim, mirradinho por causa da estiagem, e bastou chover pra que ele voltasse ao normal, ficasse verde de novo e com saúde. Tô dizendo isso como se um menino que nasceu verde fosse normal. Mas já pensou muié, e se acontecer de cair sobre esse lugar uma seca de muitos anos, como a gente já viu acontecer, o que será do menino, será que, como as plantas e os bichos, ele vai morrer também? Deus queira que não muié, mas não vejo coisa boa nessa história não".
Depois desse relato do marido, que não era muito diferente do que estava imaginando, Joana ficou entristecida de dar dó. Por mais que o marido quisesse lhe animar, dizendo que aquilo que havia dito poderia ser diferente, mesmo assim ela vivia cabisbaixa, sem conversar quase nada e gastando a maioria do tempo ora olhando e acariciando o menino, ora mirando o horizonte, olhando a predisposição da natureza para chover ou não. Enfim, pediu ao marido que fosse procurar Sinhá Constança e pedisse para que ela viesse, com a maior rapidez possível, até sua casa. Precisava botar essa história a limpo de uma vez por todas e talvez a velha parteira pudesse ajudar nisso, afinal de contas ela, com certeza, já estava a par de tudo.
Nessa mesma tarde Sinhá Constança atendeu ao chamado. Ao chegar na casa foi logo dizendo que Joana não precisava perguntar nada porque já sabia o que ela tinha interesse em saber. Não foi Cosme que havia comentado alguma coisa sobre o assunto, mas porque ela mesma há alguns dias que vinha martelando sobre o problema. Por isso mesmo, depois de olhar o menino e benzê-lo, chamou os pais para fora e começou a expor suas conclusões.
“O que foi escrito por Deus o homem não pode apagar. Quem somos nós, coisinhas miúdas, para dizer que um querer de Deus está certo ou errado? Sua escolha no céu há de ser cumprida aqui na terra. O único mistério nisso tudo é saber qual o sinal que ele quis enviar pra nós ao permitir que o inocente nascesse assim, pois o resto eu já sei de tudo e vou dizer. Em primeiro lugar, seu menino não nasceu como pessoa comum, como a gente mesmo pode ver e sentir. Ele, para sobreviver e ter uma vida como a de todo mundo, precisa muito mais da clemência da natureza, fazendo chover, do que do alimento ou remédio que o homem pode dar. Ele é planta e gente ao mesmo tempo. Não sei porque mas é assim. Se a planta morre quando não tem água para fortalecer sua raiz, do mesmo modo vai ser o menino se passar muito tempo sem chover no sertão. E ele foi nascer logo aqui, nesse sertão todo. Taí o que envolve o mistério. E não adianta ter água por perto, pois é preciso que a chuva caia do céu. Em segundo lugar, é preciso que se diga que só Deus salva o menino se vier uma seca de muito tempo, pois ele vai ter as mesmas conseqüências sofridas pelos matos, pelas plantas, pelos bichos e por tudo que dependa de água pra sobreviver. Como essas coisas vão murchando e morrendo aos pouquinhos, da mesma forma poderá acontecer com o menino. Por último, no momento só vejo uma saída para vocês, que é dar um jeito e se mudar com o menino pra um lugar onde chova muito, onde não tenha esse problema que a gente passa e sofre aqui. Era isso, meus filhos, o que eu tinha a dizer por agora. De minha parte, o que posso fazer é orar muito pra ver se a natureza tem clemência desse filho de Deus que não pediu pra nascer assim”.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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