SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 3 de abril de 2010

NO REINO DO REI MENINO – LV

NO REINO DO REI MENINO – LV

Rangel Alves da Costa*


Assim que a mãe de Otnejon falou do remorso que sentia pelo seu sangue correr também nas veias daquele infeliz, Bernal logo descobriu o caminho para se obter, sem ter que ir buscá-la junto ao próprio baixinho mal-afamado, a gota de sangue que tanto precisavam. Bastava somente arrumar um meio de colher a gotinha, somente uma gotinha, do sangue daquela velha senhora.
Gustavo imaginou logo o que poderia estar se passando pela cabeça do feiticeiro para obter de qualquer jeito aquele líquido arterial tão importante naquele instante. Não deixaria nunca que ele atentasse contra a pobre senhora, como seria capaz de fazer.
Desse modo, decidiu que seria mais ou menos franco com ela, afirmando que necessitava urgentemente de um favor seu e que ficaria muito agradecido se ela deixasse que ele lhe espetasse o dedo para conseguir somente uma gota de sangue, que seria encaminhada para que os magos da floresta fizessem para ela um elixir fortificante espiritual e corporal.
Em menos de um minuto conseguiu o segundo elemento exigido pelo sábio Verny. Agora faltava somente aquilo que o menino rei achava mais dolorido, que era conseguir uma lágrima de sua mãe. Só em pensar nisso já ficava entristecido e desesperançoso.
Como poderia conseguir exatamente uma lágrima de uma pessoa que ele nem sabia onde e como estava naquele momento? Como poderia obter um pouquinho de um líquido que quando cai dos olhos não demora mais do que alguns minutos para secar, e ademais quando essa pessoa está muito longe? Como poderia saber se sua mãe ainda tinha lágrimas para chorar? Não haveria como responder a tais interrogações.
E foi aí que o menino perguntou num jeito muito triste ao amigo Bernal se as lágrimas dele, por ser filho de sua mãe, serviriam no lugar da lágrima dela. E mais triste ainda Bernal respondeu:
- Seria muito bom que fosse assim, meu bom menino, mas sei que não porque lágrima é muito diferente de sangue. O sangue da velha senhora vai substituir o sangue do filho porque esse líquido é abundante entre todos que fazem parte de uma mesma família e ainda por cima pode ser jorrado por qualquer motivo. Mas a lágrima não, meu pequeno, pois esta é insubstituível, ninguém pode chorar a lágrima do outro e cada lágrima possui a pureza dos olhos de onde são derramadas. Cada pessoa tem um motivo diferente para chorar, cada um possui uma alegria ou uma tristeza diferente das demais, e por isso cada lágrima também tem sua feição própria. Até que a fonte das suas lágrimas é igual a da sua mãe, mas é o jeito como essa água, esse líquido da lágrima é recolhido pelo coração e despejado pela face em forma de sentimento que reside a grande diferença. Assim, meu amigo, cada lágrima é diferente uma da outra porque cada uma é fruto de corações que tem os seus motivos próprios para chorar...
Pareciam duas crianças chorando, ambas de cabeça baixa, uma falando e a outra silenciosamente ouvindo.
- Tá bom, tá bom Bernal, já chega de lágrima que faz a gente chorar. Acho melhor então a gente pensar em outra coisa urgentemente – Disse o menino rei passando a mão pelos olhos.
Voltaram para a grande sala onde o rapaz que havia se livrado de ir a Edravoc ainda conversava com a senhora, quando um vento diferente, mais forte, começou a soprar na grande sala onde estavam, deixando todos preocupados. "Mas o que poderá ser isto?", disse Bernal, se dirigindo imediatamente até a porta para saber o que estava ocorrendo lá fora.
Assim que atravessou o portal ouviu os duendes, invisíveis, soprando nos seus ouvidos e dizendo que só fizeram aquela pequena ventania para que ele fosse até ali, pois precisavam avisar que tinham um assunto muito sério para conversar com ele e com o pequeno rei, mas que só poderiam dizer do que se tratava lá no alto da torre.
Em um instante e os dois já estavam correndo escadas acima. Quando entraram no pequeno aposento, a primeira coisa que viram foi os dois verdinhos orelhudos tomando banho despreocupadamente com a água da bacia. Contudo, quanto mais se banhavam mais a água parecia que aumentava de quantidade. Foi preciso Bernal dar um grito para que deixassem aquela festa. "Já estamos aqui, e o que vocês querem?", perguntou irritado.
"Calma, calma, acho melhor se acalmarem para ouvirem o que temos a dizer", falou um dos verdinhos, enquanto o outro fechava a porta.
- Você, seu feiticeiro de uma figa, bem sabe que já há algum tempo que estamos acompanhando o sofrimento dos pais dessa criaturinha – Apontando para Gustavo – Nos tornamos, sem ser essa a nossa competência, em verdadeiros anjos da guarda dos dois sofredores. E sofredores porque, mesmo com a felicidade de ainda estarem vivos diante de tudo que passaram e das ameaças que sofreram e ainda sofrem nas mãos daquele maldito rei de Edravoc, certamente que estão passando por momentos quase insuportáveis para seres humanos. Se seu pai fez o que fez já é outra história, devendo ser castigado no momento certo. Mas é com relação à sua mãe que nos preocupamos, pois não sabemos se poderá suportar mais alguns dias se continuar sofrendo como se encontra. Não podemos fazer nada porque esse destino pertence a outro Deus. Mas você, pequeno Gustavo, poderá usar das armas que tem para colocá-la em liberdade e trazê-la de volta à vida. E faça isso o mais rápido possível. Mas por enquanto, nos preocupamos em trazer uma pequena lembrancinha dela. Sabemos que pode ser dolorido, mas é um gesto que mais tarde refletirá bem nos seus corações – E virando-se para o outro duende – Me dê o lencinho...
Não poderia ser diferente. Bernal estava num canto sem saber o que fazer diante daquelas palavras, enquanto o menino se comportava como se estivesse voando, em outro mundo, com os olhos fixos em qualquer coisa distante dali. Só retornou dessa viagem quando o duende disse:
- Uma lágrima, ou várias lágrimas de sua mãe, é o que está aqui nesse lencinho que continua e vai continuar molhado, que trouxemos...
Nem conseguiu completar o que ia dizer, pois Bernal e Gustavo, completamente transtornados de alegria, imploraram para que fossem imediatamente aos domínios do sábio Verny entregar uma encomenda. E assim cuidadosamente enviaram a terra, o sangue e a lágrima.
A outra coroa do menino rei receberia o toque final da magia.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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