SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 3 de abril de 2010

CEREJEIRA EM FLOR (Crônica)

CEREJEIRA EM FLOR

Rangel Alves da Costa*


Olhe bem ao longe, lá longe naquelas distâncias, consegue enxergar aquela imagem embranquecida, de um branco tendente a rosáceo tão vivo quanto a tinta fresca do pintor, como se fosse a única coisa bonita de se vê nessa estação? Pois é, ali está uma cerejeira em flor, ali está uma das histórias mais tristes que já ouvi contar.
Dizem que um camponês era perdidamente apaixonado por uma linda mocinha, porém sem que esta jamais sonhasse com a existência do jovem, que por ser muito pobre vivia noite e dia trabalhando num jardim que ele cultivava sozinho em campo aberto, numa planície verdejante e de bom clima e bons ventos.
O grande sonho do jovem jardineiro era fazer nascer no seu jardim a flor mais linda do mundo, que de tão bela e encantadora a mocinha que a encontrasse na janela ficasse querendo saber quem havia deixado aquela formosura para ela. Um dia deixaria uma flor com um bilhete, outro dia com um nome, e depois...
Um dia nasceu a tão esperada flor e cresceu e tomou cor e feição muito mais rápido do que o jardineiro apaixonado esperava. Era a pressa, a vontade do amor, pensava. No tempo certo da colheita, escolheu a mais bonita e foi cuidadosamente colocar na janela da mocinha e ficou escondido olhando se ela abria a janela e qual a sua reação. Alguém chegou de fora, pegou a flor na janela e entrou na casa.
No outro dia levou outra flor, colocou no parapeito, deu um leve toque na janela e se escondeu rapidamente. Ficou esperando se ela abria para ver o que era e a recebia com satisfação, mas viu somente quando uma mão apoderou-se dela e fechou novamente a janela. No dia seguinte e ainda no outro dia voltou ao mesmo lugar e fez a mesma coisa. Uma vez abriram a janela, tocaram na flor e deixaram-na no mesmo lugar. Outra vez a jogaram bem distante.
Entristecido e amargurado, sem saber se ao menos a mocinha havia tocado em alguma daquelas flores, um dia resolveu que ele próprio bateria naquela porta e entregaria a ela um lindo ramalhete, contando tudo sobre as flores colocadas na janela e declarando de uma vez por todas o que sentia por ela.
E assim fez. No primeiro raio de sol, quando o orvalho ainda estava molhando as pétalas, ele cuidadosamente fez um lindo buquê e se dirigiu até a casa dela. Tocou levemente na porta assim que chegou e ficou aguardando ansioso. Não demorou muito e a porta foi aberta, porém somente o necessário para quem estivesse dentro e fora se avistasse. E era ela na semi-escuridão do lado de dentro, perguntando o que ele queria com a cabeça baixa. Ele entregou o presente, falou das outras flores que havia deixado na janela e declarou tudo o que sentia. Ainda de cabeça baixa ela respondeu.
"Eu já sabia que era você, pois te vejo quando se aproxima, quando deixa a flor na janela e depois se esconde aqui pertinho e fica observando se venho recolher a flor. Todas as vezes que faz isso é como se viesse alegrar minha solidão e despertar meu coração. Mas não faça isso. Você não pode fazer mais isso. Não sei a quem nem como ele é, mas já sou comprometida, pois o meu pai já decidiu com quem eu devo me unir como mulher. E todas as vezes que você coloca a flor na janela é ele quem recolhe e mais tarde vai entregar a quem ele decidiu que será meu esposo. Mostra a flor e diz que não se vier me buscar logo um jardineiro qualquer pode me levar para o seu jardim. Por isso mesmo não faça mais isso. Basta que plante uma árvore que dê flores ali adiante, que eu garanto que na primeira florada eu estarei embaixo da sua sombra, te esperando. Voltarei de onde estiver, mas voltarei para colher a flor da minha árvore e te ver novamente".
No mesmo dia, ao anoitecer, o jovem colocou uma muda de cerejeira bem no local por ela indicado. Todos os dias, logo cedinho, vinha cuidar da plantinha e avistá-la pela fresta da porta semi-aberta. Assim, a árvore foi crescendo frondosa. Mas um dia ele não viu mais a porta se abrir de manhãzinha e nem pôde avistá-la em qualquer outro lugar. No outro dia também não conseguiu vê-la. E passou a ter certeza que ela já tinha partido, já havia ido cumprir seu destino de prometida. Mas ela retornaria, pensou. Depois lembrou que as cerejeiras duram muitos e muitos anos para flor. Seis, sete anos...
Ele nunca saiu daquelas proximidades, porém ela nunca mais voltou. Quando chega o inverno, estação em que a cerejeira floresce, ele reencontra sua amada e a reconhece em cada flor embranquecida, com tons levemente rosáceos, com uma florada que domina bela e angustiosamente toda aquela paisagem de solidão. Como o coração apaixonado, as flores são frágeis e rapidamente caem e são levadas pelo vento.
Quando os frutos da cerejeira se avermelham e ele quer saciar a fome da saudade, morde uma cereja e começa a escorrer-lhe pelos lábios a cor do sangue de quem vive ferido pela espera do amor que certamente não virá na próxima estação.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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