SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 25 de abril de 2010

NÃO É SOLIDÃO, EU GARANTO! (Crônica)

NÃO É SOLIDÃO, EU GARANTO!

Rangel Alves da Costa*


Não preciso de consulta e prescrição médica, de avaliação de enfermeiros, de alguém que diga que já viu outro alguém assim e confirme que os sintomas são realmente disso. Não preciso de nada nem de ninguém que me diga o que tenho ou não, o que sinto ou não sinto, o que sinto por dentro ou por fora ou por fora e por dentro.
Ora, só estando doente para saber o que é solidão e como se manifesta, e eu sei. E isto porque não sinto nada de solidão. O meu problema é outro, é apenas uma coisinha simples que me predispõe a ficar sozinho, retido em meus pensamentos, mesmo que você esteja gritando ao meu lado e dizendo que estou com um problema sério. Mas não estou doente, eu sei. Mas solidão também não é doença, já confirmaram. É apenas metástase do vazio.
Repito que é apenas um intenso desejo de ficar trancado para o resto da vida, virado para a janela aberta e viajando na vida que passa, no sol e na chuva, na noite e no dia, nas brisas e ventanias. Mas isso passa logo, e há de passar porque solidão não é doença, e mesmo que eu estivesse solitário faria como fiz das outras vezes: simplesmente sumi em mim mesmo e depois reapareci quando não precisava mais de mim.
Digo mais uma vez e repito: não estou solitário nem na solidão. É bom que se diga isso porque as duas coisas são diferentes e nem se relacionam. Assim quero dizer que não estou solitário porque, mesmo que não tenha ninguém ao meu lado, não estou só, e nem poderia estar com suas vidas me rodeando e entrando e saindo dentro de mim: a você que conheci, a você que amei, a você que imaginei sempre ao meu lado e a última você. E não estou na solidão porque estou ouvindo passos e vozes que dizem que você está no jardim me esperando e eu até quero dizer que já estou indo, se não fossem as mesmas pessoas dizendo que você teve que partir, mas voltará amanhã, ou depois, ou qualquer dia...
Se eu estivesse solitário ou na solidão, claro que eu saberia. Se assim fosse neste exato momento eu poderia estar sorrindo, feliz, conversando, ouvindo música, gritando, pulando, pois a solidão tem dessas coisas de gostar de zombar com a cara dos outros e mostrar que vivem uma realidade quando a verdade é totalmente outra.
Quantos palhaços não vivem a plenitude da solidão no exato instante em que estão no picadeiro fazendo os outros felizes? Jogadores de futebol são uns solitários em campo, do mesmo modo que são os corretores da bolsa de valores, os vendedores ambulantes das ruas mais movimentadas, os torcedores quando estão na arquibancada.
Ademais, se eu estivesse com essa coisa de solidão já tinha tomado antidepressivos, uísque ou vinho, fumado um cigarro após o outro, jogado o jarro na parede, molhado lenços e mais lenços e deixado a porta fechada. Sei que não tem mais remédios, bebidas, cigarros, jarros e lenços, mas isso é outra história, que sempre faço quando quero e não simplesmente porque está esse vazio terrível dentro de mim.
Não estou normal, sei, porque quero fugir do mundo, mas garanto que isso logo passa, assim que passe também essa angústia, essa saudade e essa necessidade de distanciamento das pessoas que estão vivendo felizes lá fora. Mas não é solidão, e isso eu garanto. Até sei o que é, mas não digo que é pra você não querer viver essa, essa... Deixa pra lá. Mas não é solidão, e isso eu gostaria de garantir.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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