*Rangel Alves da Costa
E de repente, a normalidade se transforma em
caos, os passos seguros se tornam em correria, as palavras passam a ecoar em
gritos, e tudo também aflige as flores. As flores que estavam ali...
Flores de Brumadinho. E quantas flores.
Flores humanas, flores da terra, flores nas plantas, flores nos bichos, flores
nas vidas.
E de repente as comportas se rompem, as
engenharias cedem às pressões dos descasos e das omissões, as estagnações
transbordam em rios de lama, as furiosas enxurradas se lançam derramam em mar
de sofrimento e morte. E levam as flores que estavam ali...
Flores que apenas queriam viver, brotar,
florescer. Flores acostumadas com os seus dias, até sem medo, e que jamais
esperaram que o horror viesse na fúria da lama.
E de repente, quando a brisa se transforma em
ventania, quando a ventania logo se torna em vendaval, quando a calmaria se
transmuda em todo o mal, logo as flores se vão. As flores que estavam ali...
Flores dando vida aonde a morte se espreitava
em sombras. Às sombras dos minérios, dos dejetos mortais, dos metais perigosos,
da química acumulada em lamaçais ferozes.
E de repente, os rejeitos rejeitando a vida.
E sobre as vidas avançando sem piedade. Não adiantou correr, não adiantou fugir,
não adiantou gritar, não adiantou chorar. Quanto mais se abraçava à esperança
de salvação, mais os braços do lodo sufocando a existência. A existência das
flores que estavam ali...
Flores da Mina Córrego do Feijão, flores de
jardim e de algodão. Flores com nomes, sobrenomes, famílias, vidas. Flores nas
espécies, nas feições, nos arredores de tudo.
E de repente o outono mais perverso, desumano
e furioso, que pudesse existir. Não o outono da natureza, do desfolhamento de
folhas e murchamento de pétalas, mas o outono da insensatez humana, da
ganância, da ambição, dizimando tudo o que encontrasse pela frente. Dizimando
as flores que estavam ali...
Flores do Igarapé, flores das nascentes e das
corredeiras, das fontes e das junções. Flores aguadas não pela água boa, água
limpa, mas do lixo, do lixo e da química putrefação.
E de repente as pessoas sendo arrastados,
encobertas, sumidas, desaparecidas. De repente os gritos sufocados e as agonias
pela incapacidade de salvação. De repente apenas a lama, o terrível e voraz
lamaçal, encobrindo e levando tudo. Levando as flores que estavam ali...
Flores do Rio Paraopeba, flores de outras
águas, flores são franciscanas, flores que um dia nasceram em jardim e que de
repente se transformaram em espinhos na alma.
E de repente o bicho feito um brinquedo miúdo
sendo revirado, sacudido e levado pela voracidade da lamacenta correnteza. Casas,
veículos, utensílios domésticos, pequeninos animais, tudo de repente tornado em
triste folha seca sendo açoitada. E na imensidão jazendo as flores que estavam
ali...
Flores da Bacia do São Francisco, flores de
um mundo ajardinado e que de repente se viu em escombros de guerras. As mãos
implorando salvação apenas afundando na fúria sem fim.
E de repente apenas o luto e a certeza da
incerteza de quantos partiram assim, na agonia, no sofrimento e na aflição.
Sequer partiram, pois simplesmente afundados e levados pelos esgotos humanos da
ganância e da ambição, do lucro e da insensatez. E assim morreram as flores que
estavam ali...
Flores da dor, do choro, da lágrima. Flores
sem vida, pois flores mortas. O que vale uma vida para uma Vale que negligenciou
a vida e gestou a morte das flores que estavam ali?
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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