*Rangel Alves da Costa
O Rio São Francisco, de história distante e
ai da de beleza constante, é o principal rio que passa em minha aldeia sertaneja.
Da cidade de Poço Redondo até seus beirais, apenas 14 km. O quase nada pelo que
pode ser encontrado.
Não é mais o Velho Chico de antigamente, um
rio grande, largo, caudaloso, piscoso, cheia de vida e de belezas. Emagreceu,
perdeu parte de suas águas, e somente quando as hidrelétricas liberam água é
que passa a ganhar outros sopros de vida.
Como dito, já não oferece como antigamente,
pois as águas magras, a falta de peixes e as carências de seu povo, provocam um
sentimento de verdadeira aflição. Basta olhar para as calçadas altas agora
distantes cerca de quinhentos metros para as águas, para sentir quanto
definhamento ocorreu.
Mas nem tudo perdido. O rio ainda corre belo
e ainda escorre toda uma vida no seu percurso. Um rio de passado fabuloso, de
tantas histórias, de embarcações grandiosas, de lugares progressistas às suas
margens, de caminhos grandes entre as águas. Agora quase apenas o rio ou o que
ainda lhe resta.
O que ainda lhe resta é grandiosamente
suficiente para deleitar olhares, corações e mentes. O espelho d’água manso, a
correnteza sem pressa, o remanso leve, um leito que descortina na curva do rio
e vai seguindo em frente com seu destino de vida.
Mesmo poucas, as águas alargam-se como que em
imensidão. Suas margens molhadas, cúmplices daquele destino, bebem de sua vida
e verdejam mesmo em meio à sequidão sertaneja.
As canoas e outras pequenas embarcações ora
são avistadas miudinhas em meio ao rio, ora adormecem silenciosas nas suas
beiradas. A rede de pescar é levada apenas pelo costume. A tarrafa é lançada
apenas pelo desejo de arriscar. Nunca aparece além de uma piaba ou outro peixe
pequeno.
Estar às suas margens é ter diante do olhar
um livro aberto. Assim por que aquele rio não é apenas aquele rio. Aquele rio
leva em cada água nova o que as águas passadas já levaram, apenas com outra feição.
Daí ser possível avistar quase todas as vidas do Velho Chico.
Eu por ali, caminhando devagar ou mesmo
adentrando seu leito, de repente me via olhando para trás em direção às
calçadas altas. E tão altas assim para que as grandes cheias não permitissem
que as residências ribeirinhas ficassem tomadas de águas.
Neste confronto entre as águas de agora e a
existência ainda de tais calçadas altas, logo me via imaginando como seria
aquela imensidão de águas correndo entre beirais altos, serras e calçadas. Água
muita e por todo lugar. E no se u leito, as antigas embarcações passando,
chegando, partindo.
Em situação assim, de indescritível pujança,
é possível ainda avistar aquelas senhoras arrumadas, bem penteadas e
perfumadas, sentadas em suas cadeiras de balanço e de olhos fixos na vida e no
percurso do rio. Miravam a curva do rio como se sempre desejosas de que as
carrancas despontassem, os apitos ecoassem, as lanchas e os vapores
desfraldassem suas bandeiras de chegada.
Quanta saudade eu então senti daquelas
mulheres e seus olhares, e suas calçadas, e suas cadeiras de balanço, e seus
maravilhamentos com os vultos despontando ao longe, na curva do rio, e logo se
transforma em forma viva de adoração. Cada passagem era uma festa.
A curva do rio ainda está lá. O rio ainda
desponta de lá. Mas de lá pouco aparece que possa encantar além do próprio rio.
As grandes carrancas já não despontam, os apitos das grandes embarcações também
não. Mas é o mesmo rio.
E no rio que resta, a grandeza de sua
presença. Um Velho Chico eterno, na presença e na saudade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário