*Rangel Alves da Costa
“Boa tarde queridos ouvintes, boa tarde
amigos e amigas que neste momento sintonizam esta emissora. Boa tarde você da
cidade e do campo, do asfalto e de debaixo do pé da jaqueira. Boa tarde Seu
José, Seu João, Dona Maria, Filomena e Zefinha, boa tarde a todos que agora
estão na varanda da casa, no alpendre da fazenda, descansando dos afazeres do
dia num velho banco de sítio. Lenha no fogão, café na chaleira, lá fora as
belezas do entardecer, e ao ouvindo o radinho de pilha. Boa tarde a todos, pois
está no ar o programa que chega até você como um proseado de amigo...”.
Mais ou menos assim que se iniciavam os
programas sertanejos preferidos pelos ouvintes dos radinhos de pilha. Famoso o
programa Crepúsculo Sertanejo, magistralmente comandado durante muitos anos pelo
saudoso Manoel Silva. Hoje rarearam os programas assim, restando alguns somente
nas emissoras interioranas. Lembro-me bem do programa que meu pai Alcino Alves
Costa comandava nas tardes de sábado pela Rádio Xingó de Canindé do São
Francisco. O Sertão, Viola e Amor fez história nos sertões sergipanos,
principalmente pelo fato de ser um verdadeiro diálogo com o humilde homem da
terra.
Tais programas ainda causam verdadeiro
encantamento perante os sertanejos. Nas distâncias do mundo-sertão, nos
arredores da cidade, depois das porteiras e cancelas, rente aos tufos de matos
e catingueiras, muitos são os sertanejos que continuam apaixonados pelos
programas radiofônicos de fim de tarde e suas canções cheirando a terra, a
estrume de curral, a pastagem. Aqueles ecos radiofônicos chegados como aboios,
como toados, como mugidos de gado, como chuvarada barrufando sobre a terra. E
tudo acompanhado na viola de pinho, na plangência da autêntica música de raiz.
Não só a música facilmente traduzida na alma,
mas também as palavras amigueiras do locutor. Em meio a tantas canções de
gostos duvidosos e a programas que deixam de falar a língua do povo, certamente
que o homem da terra até fica apreensivo esperando que chegue logo o horário de
ligar seu radinho. E radinho que é amigo inseparável, que serve de consolo em
momentos de solidão, que lhe faz sorrir e relembrar momentos bons. Por isso
mesmo que dele não se desgruda nunca. Depois de retornar dos afazeres do dia, a
primeira coisa que faz é lançar mão de seu pequeno amigo.
O radinho de pilha é, verdadeiramente, o
amigo inseparável do homem do campo. Aliás, também de muita gente dos centros
urbanos. Há uma fidelidade tamanha que dificilmente nenhum outro meio de
comunicação possua maior atenção e apego. A televisão é desprezada por muitos,
o telefone só usado em ocasiões necessárias, a vitrola também apenas de vez em
quando, mas com o radinho de pilha não. Este é levado no bolso, permanece junto
ao travesseiro, acompanha a pessoa onde for. Seja para ouvir futebol, programa
jornalístico ou musical, até mesmo a Voz do Brasil, o rádio sempre se mostra
como a mais perfeita companhia.
No sertão, tudo isso é somado à solidão
sentida por muitos. As casas, casebres, moradias de cipó e barro, geralmente
distanciadas de tudo, mostram-se como lugares onde as solidões ponteiam o dia
inteiro. Em muitos lugares, os moradores raramente recebem visitas,
dificilmente o rangido da cancela é ouvido. Certamente que proseiam uns com os
outros, dizem de suas alegrias e angústias, mas nada igual a ter uma voz
exterior, chegada pelo radinho, que lhe chegue como o amigo tão esperado.
Nascido numa relação de confiança, até mesmo a voz do locutor parece estar
abancada ali bem defronte, falando uma conhecida palavra, dialogando o seu
mesmo pensamento.
E de vez em quando surgem outras surpresas
boas. Não é raro que as mocinhas dos sítios e chácaras enviem cartinhas pedindo
músicas. E tudo se torna em festa quando o locutor anuncia: “Recebo aqui uma
cartinha muito carinhosa de nossa ouvinte Maria das Neves, moradora do Sítio
Jurema, que nos pede a música Tristeza do Jeca, na voz de Tonico e Tinoco,
oferecendo a seu pai Bastião, e que também segundo ela não perde um só
programa”. E logo a música cabocla invadindo o humilde lar sertanejo: “Nesses
versos tão singelos, minha bela, meu amor, pra você quero cantar o meu sofrer a
minha dor. Eu sou que nem sabiá, que quando canta é só tristeza desde o galho
onde ele está...”.
Contudo, o que mais apaixona Seu Bastião é
sentir o locutor falando as coisas que tanto deseja e gosta de ouvir. Mesmo não
sendo endereçado a ele, enche-se de alegria quando no rádio começa a ouvir
sobre o gado, sobre as chuvas, sobre plantações, sobre coisas do seu mundo e
vivência. É com se seu silêncio e sua solidão recebessem a visita de alguém
conhecido e que compartilha o seu modo de viver. E mais ainda quando uma canção
caipira transborda da caixinha falante e vai diretamente ao coração, marejando
os olhos, despertando antigas saudades. Tudo ali no radinho de pilha.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário