*Rangel Alves da Costa
Se poeta
eu fosse, um verso para Curralinho eu teceria em caneta dourada: Donde vejo a
carranca vejo a curva do rio. Vejo a canoa e o canoeiro no seu desafio. Na
mansidão das águas um viver eu recrio, um molhado caminho que fez nascer
Curralinho...
Primeiro
porto de Poço Redondo, entrada para os sertões através do caminho das águas,
outrora pujante no comércio de chegada e saída de produtos, com moradias
refletindo suntuosidade arquitetônica para a época, Curralinho ganhou esse nome
em virtude dos pequenos currais que eram levantados às margens do Velho Chico
quando da chegada dos viajantes com suas posses e animais, tentando vida nova
nos então inóspitos sertões.
Como a
mata fechada ao redor era perigosa e desconhecida, e para que o pequeno rebanho
não se perdesse entre as serras e labirintos catingueiros, então aqueles
primeiros desbravadores construíam pequenos currais e nelas colocavam em
segurança suas crias, até que adentrassem os sertões para um novo viver. Mas
muitos foram ficando por ali, nas beiradas do rio, e fizeram surgir a povoação
curralinheira.
Estes se
fizeram canoeiros, pescadores, comboeiros, comerciantes, lavradores, viventes
daquele belo mundo de grandeza das águas e de beleza sem fim. Desde as curvas
das montanhas, serras e montes ao redor, até o caudaloso leito passando, bem
como com as velas adormecidas nos beirais das águas ou singrando os caminhos
molhados, tudo de beleza sem fim. E depois surgindo as construções imponentes,
belas, cheias de fé e de devoção. Dentre estas, a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição (em grande parte erguida por Antônio Conselheiro e seus seguidores,
pelos idos de 1874), e Igreja de Santo Antônio, defronte ao rio. A rua da
frente, de calçadas altas como proteção às cheias dos rios, e outras ruas
interiores.
No
passado, o São Francisco curralinheiro era tão imponente e tão caudaloso que as
águas chegavam a vencer a proteção das altas calçadas e iam se despejar pelos
quintais. Verdadeiros arrozais iam surgindo. Aquele arroz de quintal, depois
batido em pilão também de quintal, era servido com o peixe fresco ali pescado
em abundância. Bastava lançar a rede, a tarrafa ou adornar em canoas, e de
repente a comida já estava garantida. Águas também de surubins e tubaranas.
Curralinho
de Dona Perpétua, de Dona Salvelina, de Chico Bilato, de Seu Neguinho, dos
irmãos Ciano e Valter, de Seu Aloísio, de João de Virgílio, de Luzinete, de
Tutula, Maria e tantas outras e outros. Curralinho tão rico de outrora e tão
carente agora, numa passagem de tempo que fez definhar a existência e deixar
somente nostalgia de um passado de glória e imponência. Mas o rio continua,
mais magro e entristecido, mas sempre belo no seu caminhar.
Naqueles
idos, ao entardecer, das altas calçadas as velhas senhoras iam tecendo suas
vidas entre bordados e meditações perante tão bela paisagem. Aqui fico imaginando
aqueles olhares maravilhados perante as embarcações que chegavam e saíam,
perante as carrancas que despontavam na curva do rio, perante a chegada e
passagem dos grandes vapores. Que maravilha!
Casas na
grandeza das próprias famílias, sem serem imensas, aos moldes dos casarões
coloniais, mas de beleza arquitetônica indescritível. Paredes adornadas
cuidadosamente, ladrilhos importados, acabamentos irretocáveis. Hoje só restam
alguns exemplares daquele primor arquitetônico. Infelizmente, casarios antigos são
derrubados num desrespeito histórico que faz doer. Louvável a atitude daqueles
que adquirem antigas moradias e procuram preservar sua fachada e suas formas.
Mas fato raro.
O temor
maior é que o tempo mesmo vá cuidando do desfazimento de toda aquela beleza.
Sem preservação, sem qualquer tipo de manutenção preventiva, primeiro cai um
tijolo, depois uma parte da parede, e depois a casa inteira. Ainda restam
algumas, é bom que se diga. Mas urge a necessidade de preservar, de manter viva
e em pé aqueles retalhos arquitetônicos da história de Curralinho. Pela
ausência de órgãos de preservação do patrimônio histórico, resta somente a seus
moradores e ao povo a tomada de consciência sobre aquela situação. E agir.
Acima de
tudo agir, buscando meios de conservação e continuidade daquela pujança de vida
ribeirinha.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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