*Rangel Alves da Costa
“Sim,
sinhô. Pru mode dizê tem de tudo. Arrebenta e esquarteja pru dento, mai num se
deve negá não. Pru que negá se tudo num dexa mentí? Sim, seu moço, a gente vive
num mundo de seca triste sem fim. Num há um só dia no sertão adonde a seca
triste num caia pru riba de nóis. A seca triste tomem no tanque cheio, na
boneca de mio. Um mundo nublado demai merma sem nuve lá em riba. Oiá da maiada
e só avistá desalento. Um bicho berra, uma galinha cisca. Quano morre um
entonce a gente chora a vida intera. Tudo aqui é como um luto sem fim. O
sertanejo inté parece feito com lágrima nos óio e maresia de suó. A gente tem
alegria sim, munto contentamento tomem. Mai o carcará e o arubu só farta querê
pinicá o tiquinho de contentamento de nóis. Entonce, pru mode dizê, num é só a
seca da farta de chuva que é triste não. Há uma seca que nunca acaba. Oi, seu
moço, pa mode falá em seca num é só fala em farta de parma, em pasto derreteno no
fogo, em tanque no barro duro, em bicho no couro e osso ou já caído pros
carnicento. Não. É munto mais. Aquerdite, seu moço, que num há seca mai triste
que a seca da desvalia, da percisão, da necessidade. Munta gente pensa que seca
é só farta de chuvarada, de comida pro bicho e gente e a secura do tanque.
Oiano direito, há seca maió que o esquecimento, que o fazê de conta que a
seuventia do povo é só na hora de votá? Há seca mai danada que fazê de conta
que nem ixiste o povo pobe que vive no mato? É a seca do abondono, sim sinhô.
Tem uma seca chamada umiação que é a que mai dói. Num se devia umiá ninguém
não, poi todo mundo fio de Deus. Mai o que mai tem é umiação. O povo da cidade
oia pa gente cuma se fosse do outo mundo. Uma mão num é istendida e nem um bom
dia é dado. Tudo isso é umiação. Pur isso que mermo na chuva grande a seca
continua. Pur isso que mermo cum a pranta nasceno e munta água no barrero, num
deixa de ter seca não. A seca é essa merma que eu dixe. É a seca de um sertão
pareceno de porta fechada pros da cidade. Ninguém vive nossa vida pa sabê cuma
ié. Só a gente sabe o que passa e o que sente. Mai todo mundo iguar a todo
mundo. Omeno ansim devia de ser, num é? Entonce a seca maió é essa, a seca do
fazê de conta que a gente num ixiste. Mai num há vida mió do que essa não, seu
moço. Da porta da frente adento tudo que a gente percisa. Tem candiero, tem
pote e muringa, tem fogo de lenha, tem panela de barro e arupemba. E tem munto
mai. A gente tem a filicidade e o gostá de vivê desse jeito. A gente sofre com
a seca da farta de chuva, mai sofre munto mais cum os outo tipo de seca. Mai
que ansim seja. Na grandeza de Deus, do meu Padim Pade Ciço e Frei Damião, a
gente vai levano a vida. Tudo cuma rosaro de fé, pelas mão de Nosso Sinhô!”
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário