*Rangel Alves da Costa
Coisa
estranha a muitos pode parecer, eis que logo surgindo a ideia de que fazer
renda, bordados e outras artes na linha e no pano, é coisa pra gente já
envelhecida. E até ela já ouviu: “Quem faz renda não casa!”.
Estou
falando de Sara, ou Sara Silva Ferreira, uma jovem rendeira de Poço Redondo, no
sertão sergipano do São Francisco, que não só casou como aprimorou sua arte nos
ofícios da almofada (enchimento de palha, algodão ou outro produto, no formato
de um cilindro), no papelão ou na forma desenhada (pequenos furos apontando os
contornos da linha), nos bilros, nos espinhos de mandacaru, nas linhas e na
maestria das mãos. Tudo isto envolve o ofício da rendeira, principalmente da
renda de bilros.
E o nome
renda de bilros pelo fato de que são os bilros (pequenas peças de madeira) que
vão puxando a linha segundo as marcações no papelão, deixando aos cuidados das
mãos fazer o tracejamento que vai dando vida e beleza à peça. Passo a passo, de
maneira sutil e delicada, todo um ofício de maestria artesanal vai se tornando
em genial criação. Arte esta que Sara traz consigo desde os doze anos de idade.
Começou
muita nova, por curiosidade e interesse em também produzir coisas tão belas.
Hoje, já aos 23 anos, esposa e mãe, continua na feitura de sua primorosa arte
que tanto enriquece, preserva e valoriza a cultura poço-redondense do
artesanato de renda. E Poço Redondo que no passado contava com numerosas
rendeiras, mulheres que se entregavam aos ofícios como se estivessem debulhando
um feijão de corda para a alimentação, dado o prazer em gestar uma arte tão
primorosa.
Poço Redondo
também famoso pela sabedoria matuta daquelas mulheres. Muitas delas criavam
seus próprios papelões de marcação. Quer dizer, desenhavam os formatos que
desejavam e depois perfuravam nos locais onde as agulhas ou os espinhos
deveriam fazer as curvas e as tramas na renda. O resultado era uma de
inestimável valor, ainda que os compradores insistissem em desvalorizar a
qualidade e a beleza do trabalho.
Hoje o
número de rendeiras está muito reduzido, até contando a dedo, como se diz. Daquelas
mais velhas, apenas poucas continuam com seus ofícios. Mas eram muitas. Só para
citar algumas, as lembranças de Carmosina, de Maria de Miguel, de Dom, de
Araci, todas já falecidas. E ainda perante suas almofadas e espinhos, temos Cenira, Conceição de Laura,
Domingas e algumas jovens, a exemplo das filhas de Dona Domingas e de Sara.
Dona Clotilde era uma das mais famosas rendeiras do lugar, mas hoje, pela idade
já avançada, não mais produz belas criações.
Ainda bem
que Sara chamou para si a continuidade do ofício. De vez em quando até que
aparecem projetos e algumas turmas de jovens iniciam aprendizados na renda de
bilros. Contudo, poucas são as jovens que continuam preservando tais tradições
sertanejas. Certamente que todo mundo - principalmente o visitante - se encanta
quando encontra alguma rendeira em ação. Bom que seja assim, mas melhor seria
que em muitas calçadas, salas e oficinas, tais atividades fossem mais
avistadas. E Sara é uma destas que produz no seu próprio lar.
Conforme
diz, vai tecendo sua renda muito mais pelo prazer do que mesmo pelo lucro maior
que possa ter numa grande peça. Acrescenta que nada mais prazeroso ao espírito
que ter suas mãos caminhando pela almofada e dando vida a tanta beleza. E
certamente que é assim mesmo. Enquanto fala de seu trabalho, logo se percebe o
prazer que possui em continuar tracejando em suas mãos tão importante herança
cultural sertaneja.
Ontem eu
tive o prazer de prosear com Sara por alguns instantes. Conheci também
Thaislane, sua sobrinha, que ainda bem jovem também já enveredou pelos ofícios
da renda. Sem dúvida, uma gestação familiar que tanto enobrece a cultura e as
tradições de Poço Redondo. Parabéns Sara, parabéns Thaislane. Parabéns a todas
as rendeiras deste sertão tão esquecido nas suas raízes e nas riquezas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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