SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

SERTÃO NA BOCA DA NOITE



*Rangel Alves da Costa


Aos fins de semana sempre viajo ao sertão. E cada retorno sempre sentindo algo como se saudade fosse sendo acumulada ainda mais. A vontade que dá é sempre permanecer por lá.
Os ossos do ofício sempre chamam a outros afazeres que não junto àqueles que mais amo: caminhar, como meu pai fazia, pelas ruas singelas do meu Poço Redondo, pelas suas estradas, pelas malhadas das casinhas de cipó e barro.
Como dito, sinto-me sempre mais entristecido toda vez que retorno. E aqui na solidão da capital, em meio ao desencanto da capital, ponho-me então a recordar aquilo que deixei lá nas distâncias sertanejas daquele mundo meu.
Quando a noite começa a surgir, exatamente nos instantes em que o sertão parece mais belo, mais reflexivo, mais nostálgico e até melancólico, aquele retrato ressurge com maior nitidez e melancolia.
Lá no sertão, noutros idos, pontualmente os sinos da Matriz ecoavam seus brados como a dizer que chegada a hora da Ave Maria, da prece, da oração, dos joelhos dobrados perante oratórios.
Um instante em que o candeeiro do sol já se apagou entre as nuvens e os cheiros de cuscuz, de café, de tripa de porco e ovos, perpassam as cozinhas e vão se espalhando pelos ares.
Um instante docemente chamado de boca da noite. Sim, a noite vem bela boca aberta dos horizontes, das paisagens, da natureza. O sol vai embora, a lua desponta, a mataria apenas sussurra, as folhagens dançam ao sabor dos sopros dos ventos e ventanias.
Da cor vermelho afogueada da boca da noite, a cidade vai sendo tingida por outras cores. As luzes lançam seus amarelos, o negrume se estende e vai alargando seu manto noturno.
A lua desce, passeia, toma conta de tudo. Mais tarde as pessoas estarão reunidas em proseados, as vizinhas em suas calçadas, a juventude legislando entre copos na calçada da vereança municipal, os enamorados procurando seus destinos do coração.
Até as portas e janelas irem se fechando no chamado dos sonos e sonhos. Tudo assim em Poço Redondo, no meu sertão amado. E eu aqui, apenas eu e a solidão.
Mas para lá retornarei e novamente sentirei todos os prazeres e sensações da boca da noite. Ouvirei os sinos bradando, sentirei os cafés cheirando pelas cozinhas, ouvirei as preces junto aos velhos oratórios. Abraçarei a chegada da lua e com ela dormirei de braços dados.
Mesmo que nada assim aconteça, certamente acontecerá. Na mente, na vontade, no pensamento.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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